A canção “Wave”, de Tom Jobim, traz em seu refrão uma afirmação que é senso comum entre muitas pessoas: “é impossível ser feliz sozinho”. Encontrar uma paixão e viver momentos de frio na barriga ou borboletas no estômago ainda é o sonho de muitas mulheres. Claro, sonhar ou querer algo não é necessariamente um problema, no entanto, a ideia de viver a vida inteira sem encontrar um amor romântico te assusta?

“Eu preciso encontrar um amor, pois só assim serei feliz”, era o que pensava uma mulher de 39 anos, que pediu para não ser identificada. Ela conta que durante muito tempo pensou dessa forma e não se sentia confortável com a ideia da solitude.
No dicionário, solitude significa “estar só por vontade própria ou ser feliz com a própria companhia”. Embora essa seja uma possibilidade inimaginável para muitas pessoas em razão da quase obrigação histórica de que temos que encontrar um par para sermos realmente completos e felizes, ter em mente essa ideia é necessário e saudável.
De acordo com a psicanalista Cris Pereira, ter sua individualidade e respeitá-la é essencial para manter o olhar para si e seus desejos. Isso faz com que o ser não anule a si próprio.
Segundo Cris, ter a capacidade de desfrutar da própria companhia sem necessitar ter alguém ao lado o tempo todo para satisfazer os próprios desejos pode ser libertador. “Quando você chega em casa, não tem ninguém a sua espera, mas você consegue, após um dia estressante, de trabalho dedicar um tempo para cuidar de si, colocar uma boa música, tomar uma boa bebida, dançar. Enfim se amar”, explica.
No entanto, a solitude também requer equilíbrio. Em doses extravagantes, a solitude tem grandes chances de virar solidão. A especialista cita que a melhor forma de promover essa proporção é conciliar os momentos individuais e de convívio social, como estar entre os amigos, família e trabalho.
Solitude, se mal encarada, pode ser prejudicial 1315h
Kamila Reis, 23 anos, recém-formada em Direito, durante anos aceitou migalhas de relacionamentos que nunca iriam para frente. Se sentia “incompleta” quando estava sozinha, sensação que se prolongou por anos. Até que finalmente entendeu que “esse papo de incompleto não existe. Somos seres completos e devemos procurar alguém que venha para acrescentar no relacionamento. Ninguém pode me amar mais do que eu mesma”, explica.
Cris aponta que quando entendemos que somos indivíduos únicos e responsáveis por nós, fica mais fácil trabalhar o amor-próprio, afinal, você irá se dedicar àquilo que deseja, aos teus sonhos, seus projetos de vida, e aproveitar a vida da forma que deseja. “Ter amor-próprio é tudo”, acrescenta Kamila.
Eu me basto, eu me amo! 2185w
A mulher do início do texto afirma que sempre procurou em todos os homens que conhecia, um parceiro. Mas isso só gerou dependência emocional e uma sequência de frustrações.
“Meus pais tiveram um casamento lindo. E eu queria aquilo para mim. Mas nem todos os homens estavam dispostos a ter aquele tipo de relação comigo. Por muito tempo pensei que o problema estava em mim. Quando conheci meu marido, ele me ensinou que antes de amá-lo, eu deveria me amar, pois eu era importante”, disse ela, que se casou com o melhor amigo.
“Hoje, amo meu marido, mas sei muito bem viver sem ele”, ressalta ela, que vê mais beleza em histórias com conexões reais do que em idealizações de contos de fada.
Anulação dentro do relacionamento 702y3x
O medo de ficar sozinha pode fazer com que as pessoas, sobretudo as mulheres, entrem em relacionamentos nada saudáveis e criem dependência emocional, em esquecem de viver sua vida e vivem pelo parceiro ou pelo medo de perdê-lo.
“O problema maior está quando a pessoa percebe que está anulando sua individualidade, seus desejos, seus sonhos e vivendo a vida do outro e isso não está lhe fazendo bem, nem mesmo para a pessoa com quem ela se relaciona”, disse Cris.
Kamila entendia que deveria fazer tudo por quem estava ao seu lado. “Meu dia ficava bom com uma simples visualização de status. Desde que comecei a focar nos meus hobbies, nos meus estudos e a me cuidar, nunca dei o mundo para alguém que só me entregava migalhas.
Em termos de anulação, só é saudável quando o casal se anula, em conjunto, para o bem-estar da relação, conforme a especialista. “Para a constituição do relacionamento, não há como se anular. O ceder ao outro irá fazer parte do convívio diário e é necessário, caso contrário, não existirá relacionamento”, explica.
“Alguém estará infeliz. Costumo dizer a seguinte frase: faça tudo o que quer e deixe o outro infeliz. Faça só o que o outro quer e viva infeliz! Portanto, é necessário buscar o equilíbrio. Ora um cede, ora o outro”, acrescenta.
“Os tratamentos mais eficazes para a obtenção de amor-próprio é buscar ter mais vida própria e olhar mais para si. Mas a terapia, sempre vai ser uma grande aliada”, finaliza Cris.
Todos nascemos dependentes 2a5e4g
Cris aponta que todos nós nascemos dependentes. Na infância, somos completamente vulneráveis e precisamos de um cuidador. “Diante disso, com tantas mudanças que sofremos no decorrer da vida, nos deparamos com a possibilidade de nunca encontrarmos um amor romântico. E isso pode ser, sim, muito assustador. Mas é preciso lidar com essa possibilidade e buscar fontes de amor e preenchimento de outras formas. Na família, nos amigos, nas realizações individuais e coletivas”, completa Cris.
Nos casos em que a pessoa precisa enfrentar situações estressantes, como o divórcio dos pais na adolescência, elas precisam lidar com angústia. Então, podem buscar esse amor romântico para dar continuidade àquele amor dos pais que foi interrompido e com a sensação do abandono.
“Por isso, a importância de entender que o amor que recebemos dos nossos pais é um. Mas acima de tudo, existe o nosso amor-próprio, os nossos desejos que são fundamentais para a nossa constituição como sujeitos da nossa vida”, aponta Cris.