Em meio às paisagens de verdes exuberantes da Serra catarinense, uma nova forma de atrair turistas tem se consolidado nos últimos 15 anos: o enoturismo. Apostando no mercado e no público apreciador de vinhos finos, as 35 vinícolas de altitude – que estão a pelo menos 900 metros acima do nível do mar – surgiram na Serra e no Vale do Contestado desde 1999. Com vinhos de qualidade, reconhecidos no mercado nacional e internacional, já investiram mais de R$ 500 milhões, e o foco principal agora é atrair o turista para a região e proporcionar uma experiência diferenciada, com visitas guiadas aos vinhedos, hospedagem nas próprias vinícolas, refeições harmonizadas e produtos com preços diferenciados no local.
O objetivo das vinícolas é não depender de um turismo sazonal – que, tradicionalmente, acontece só durante os meses frios na Serra –, mas atrair o público o ano inteiro com seus produtos diferenciados. São Joaquim, por exemplo, concentra a maior parte das vinícolas de altitude do Estado. São 15 produtores que, juntos, fazem da vitivinicultura (plantação de uvas e produção de vinhos) a terceira maior atividade econômica do município, atrás da maçã e da agropecuária.
Além da Serra, o Meio-Oeste e Oeste catarinenses plantam e produzem vinhos de altitude no Estado. Para atrair os turistas e incentivá-los a comprar os produtos locais, os empresários investem em espaços dedicados à degustação da bebida para bem receber os clientes. Para driblar as estruturas hoteleiras pequenas, eles apostam na construção de quartos nas próprias vinícolas e em produtos exclusivos.
Com mais de 500 hectares de uvas plantadas no Estado, a expectativa é que a safra de 2015, que vai de março a maio, chegue a quase 1,9 milhão de toneladas, número 25% maior do que o do ano ado. Entre as principais uvas estão Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc, produzidas pelas 35 vinícolas de altitude. Deste total, 20 vinícolas comercializam cerca de 150 rótulos e produzem mais de 1 milhão de garrafas por ano. Além de serem vendidos em Santa Catarina, os vinhos produzidos aqui são exportados para todo o país nas redes hoteleiras, de restaurantes e lojas de vinho especializadas.
Região Serrana é polo das vinícolas de altitude
Quase metade das vinícolas de altitude estão espalhadas pelos municípios da Serra catarinense. Um roteiro por diferentes vinícolas, que chegam a até 1.380 metros de altitude, revela lindas paisagens, espaços preparados para receber o turista e variadas produções de vinhos. Negócios familiares, as vinícolas apostam em grandes hectares de áreas verdes, lagos artificiais e arquitetura sofisticada dos espaços para receber bem os clientes.
Na Vinhedos do Monte Agudo, por exemplo, é possível saborear um almoço harmonizado no alto da vinícola em um espaço aconchegante com degustação de seis vinhos por R$ 130. No ano ado, eles inauguraram o espaço gourmet, onde investiram mais de R$ 500 mil para receber até 50 clientes para almoços, jantares e sunsets regados a vinhos. A produção de uvas da Monte Agudo começou em 2005 e a primeira safra foi lançada em 2007. Naquela época, como ainda não tinham um espaço adequado para receber os turistas, eles criaram um serviço diferenciado: um piquenique a céu aberto em meio aos seis hectares de vinhedos plantados.
Hoje, a proposta é focar cada vez mais na recepção de turistas. “Muita gente vinha para São Joaquim com dinheiro e voltava para suas cidades sem gastar nada aqui”, diz Carolina Rojas Ferraz, 30, que é sommelier e filha do idealizador da vinícola, Leonidas Correa Ferraz. Para investir no enoturismo, Carolina se mudou para São Joaquim em 2013. Agora, sua casa, ao lado da vinícola, servirá também de hotel para os turistas que quiserem ter uma experiência completa no local. Em dois meses, ela pretende começar a operar este serviço para ampliar a venda de vinhos no próprio vinhedo, que hoje fica em torno de 40% das 30 mil garrafas produzidas anualmente.
Investimentos a longo prazo
Para atrair a atenção de turistas para a região, a Acavitis (Associação Catarinense dos Produtores de Vinhos Finos de Altitude) realiza, desde o ano ado, a festa Vindima, que celebra o início da colheita das uvas no Estado. Apoiado em um circuito cultural, o evento promove as vinícolas e os dez municípios que participam da festa, levando turistas de todo o país a conhecer os vinhos catarinenses. A segunda edição foi realizada no fim de semana ado e lotou os hotéis da região.
Acari Amorim, presidente da associação, foi um dos primeiros empresários a investir em uma vinícola de altitude em Santa Catarina. Ele é dono da Quinta da Neve, criada em 1999 e que hoje produz mais de 120 mil garrafas por ano, com seis tipos de uva. Segundo ele, para se investir em uma vinícola é preciso pensar a longo prazo. No caso dele, o investimento de R$ 10 milhões no projeto só começou a dar lucros uma década após ser implantado. O processo é parecido nas outras vinícolas da região.
Segundo Amorim, Santa Catarina está no caminho certo da vitivinicultura, prezando pela qualidade dos produtos feitos de forma artesanal. “O vinho é um grande catalisador de negócios. Ao criarmos a base do enoturismo, estamos nos preparando para a crise que está por todo o mundo, pois esta é uma alternativa de desenvolvimento econômico e social não só para São Joaquim, mas para uma dezena de municípios”, destaca.
Como o solo dessas regiões é pedregoso e drenado, as parreiras buscam os sais necessários para produzir uma boa uva. Os dias quentes e as noites frias permitem que a uva descanse e prolongue seu ciclo. Nos meses de abril e maio, quando para muitos é o período de seca, para o vinho é a melhor época, pois o sol auxilia a dar o açúcar natural necessário à uva. A Acavitis criou um padrão de qualidade que deve ser seguido por todas as vinícolas que queiram ter a classificação “de altitude”. Entre os quesitos está, por exemplo, a proibição de adição de qualquer tipo de açúcar aos vinhos.
Para o prefeito de São Joaquim, Humberto Luiz Briguetti, a vitivinicultura catarinense atingiu, em pouco menos de duas décadas, o ponto que o Rio Grande do Sul, o Chile e a Argentina levaram quase um século para chegar. “Santa Catarina é, hoje, uma criança em termos de vinhos finos de altitude, mas já estamos competindo de igual para igual com vinhos de altíssima qualidade. Vinho é um produto que tem o ano inteiro, e isso vai dar o salto que tanto buscamos, que é a questão de transformar a região não só em produtora de maçãs, mas também turística.”
Conforto e exclusividade para receber clientes
Da mesma forma que a Monte Agudo, Saul Paulo Bianco, 65, investe em uma edificação de quatro andares na vinícola Leone di Venezia, com área destinada à degustação e quartos para os turistas a 1.280 metros de altitude. Com cinco hectares plantados e os primeiros vinhos lançados em 2011, Bianco investiu mais de R$ 2,7 milhões na estrutura para receber os clientes e focar na venda de vinhos no próprio local. “A ideia é ter um espaço pequeno, como se faz em Portugal e na Itália, para proporcionar um turismo de experiência”, comenta ele, que nasceu em Caxias do Sul, onde os bisavôs já trabalhavam com vinhedos.
A vinícola Villa Francionne é uma das maiores produtoras e com grande área plantada, com 26 hectares de uvas e produção de 150 mil garrafas por ano. O cuidado em receber bem o turista é perceptível logo na entrada, em uma edificação com tijolos à vista e luz baixa. Após ar por uma galeria de quadros de Juarez Machado, o turista pode conhecer o enorme vinhedo, o processo de produção do vinho e há até um espaço especial para degustar e comprar os 12 diferentes rótulos à disposição.
Produção avança para o Meio-Oeste do Estado
Quando saiu de Treze Tílias, no Meio-Oeste catarinense, aos oito anos de idade, na década de 1950, Walter Krantz não poderia imaginar o potencial que a vitivinicultura teria no município, mas sempre teve em mente as palavras do avô, que dizia que não adiantava só criar porco e vaca, mas investir no turismo. Depois de 30 anos trabalhando na Mercedes-Benz, empresa que chegou a presidir, Walter, hoje com 66 anos, decidiu que era hora de voltar a Treze Tílias.
Deixou a China, onde vivia com sua mulher, Ao Ruirong, e, juntos, decidiram investir em uma vinícola. Surgiu então, em 2007, a Kranz Vinícola, que hoje produz vinhos de altitude, espumantes, sucos, geleias e embutidos. “Nosso foco é na diversidade e não em grandes quantidades”, diz ele.
Hoje, a Kranz produz 70 mil litros por ano de vinhos com as uvas Cabernet, Merlot, Malbec, Sauvignon Blanc, Chardonne e Viogneir, além do vinho Rosê e do espumante. O faturamento anual vai de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões e somente agora Walter começa a ver o retorno do investimento de R$ 10 milhões que fez na compra do terreno, das máquinas e da implantação de toda a estrutura. A Kranz faz somente vinho, não produz as uvas. Por isso, recebe o título de vinicultora, mas em alguns anos a proposta é produzir uvas, que é um processo mais difícil, para servir de cortes diferentes para os vinhos.
Conheça as 20 vinícolas que já produzem uvas e vinhos de altitude em Santa Catarina
Vale do Contestado
Videira – Vinícola Santa Augusta (49) 3551-7337
Treze Tílias – Kranz Vinícola (49) 3537-0833
Monte Carlo – Pizani (www.vinicolapizani.com.br)
Água Doce – Villaggio Grando (49) 3563-1188
Campos Novos – Vinicampos (49) 9114-7286
Serra
Campo Belo do Sul – Abreu Garcia (48) 3322-3995
Urubici – Vinícola Serra do Sol (49)3278-4107)
São Joaquim – Santo Emílio (49) 3229-0486, Villa Francioni (49) 3233-8200, Quinta Santa Maria (49) 9182-6516, Suzin (49) 3233-1038, Vinhedos do Monte Agudo (49) 9985-1446, Vinícola Hiragami (49) 3233-0322, D’Alture (49) 3233-0422, Villaggio Bassetti (49) 9182-8862, Sanjo (49) 3233-7300, Leone di Venezia (49) 9967-3668, Quinta da Neve (49) 3233-1123, Pericó (49) 3233-1100 e Villaggio Conti (21) 9851-6247