Em 10 de junho de 2001 o tenista Gustavo Kuerten conquistava o tri campeonato do Grand Slam de Roland Garros após vencer o espanhol Alex Corretja, então 13º colocado do ranking, por 6/7 (3-7), 7/5, 6/2 e 6/0 em 3h12 de partida na final na quadra Philippe Chatrier, na França.

A conquista, que marcou o ano mágico do manezinho da Ilha como número um do mundo, completa 20 anos nesta quinta-feira (10).
Com a simpatia habitual, o ex-tenista conversou com a imprensa por cerca de duas horas nesta terça-feira (8). Guga revisitou o que chamou de “principal ano da carreira”, com ênfase na incrível virada contra Michael Russell nas oitavas de final do torneio, além do coração feito no saibro, gesto que foi repetido após a confirmação do título.
Para Guga, embora a primeira conquista de Roland Garros tenha sido uma “façanha” maior, o tri em 2001 é o mais especial pelo fato de ter coroado sua consagração.
“O primeiro [1997] foi o mais surpreendente. Porém, o ano de 2001 transmite a segurança, a confirmação, algumas facilidades para encontrar soluções difíceis dentro da quadra e a consagração como tenista. Tenho a total convicção que foi o melhor ano que joguei tênis. As pessoas falavam: ‘como é bom ver os jogos do Guga’”, afirmou.
“Além disso, o envolvimento que tive com a torcida torna esse torneio como o mais especial. Aquele torneio tem um significado emocional muito forte para mim”, relembra.
A campanha 2o6j4z
Guga iniciou a campanha do tri campeonato de Roland Garros com uma vitória tranquila contra o argentino Guillermo Coria (6/1, 7/5 e 6/4). Na segunda rodada, a vítima foi o também argentino Augustin Calleri, derrotado por um triplo 6/4.
Na terceira rodada, o brasileiro derrotou o marroquino Karim Alami (6/3, 6/7 (3-7), 7/6 (7-5) e 6/2). Nas oitavas de final veio o jogo mais emblemático da campanha. Uma virada incrível contra o norte-americano Michael Russell.
Após perder os dois primeiros sets, Guga não foi eliminado por “um quarto de centímetro” como ele mesmo disse na ocasião. Russell chegou a ter um match point no terceiro set, que definiria sua vitória, porém, o brasileiro conseguiu uma virada incrível, vencendo por três sets a dois.
A vitória de Guga naquela fase marcou um dos gestos mais emblemáticos da história do torneio. Após o fim da partida, ele desenhou um coração na quadra de saibro e deitou dentro dele.
“Cara, isso é divino, espiritual. O cara estava me estraçalhando, fazendo um jogo perfeito, não errava nada. Mesmo assim naquele último ponto, que definiria minha derrota, ele jogou uma bola nota nove e eu tirei um dez”, relata Guga.
“O mundo sorri muitas vezes para gente, traz essas recompensas. O fato de eu ser grande favorito me deixou mais tenso. Daqui há cinquenta anos ainda vamos lembrar disso. São momentos gostosos de resgatar, essa emoção permanece viva tocando a gente”, pontua.
No caminho até a grande decisão, o catarinense ainda enfrentou o russo Yevgeny Kafelnikov e o espanhol Juan Carlos Ferrero, até chegar na final contra o também espanhol Alex Corretja. Após o título, ele voltou a desenhar o coração no saibro.
“Como na partida contra Russell, desenhei no saibro o coração para reafirmar todo o meu amor e gratidão por Roland Garros. Naquele momento, isso também deixava explícito que eu tinha ganhado aquele torneio na base da garra, da entrega, da paixão”, disse.
“Fiquei ali estendido mais uma vez, me sentindo em comunhão com o universo, num mundo à parte, acariciado pelas manifestações e pelos aplausos da plateia”, explica.
Relembre a campanha: 2617p
- Primeira rodada: Gustavo Kuerten x Guillermo Coria (ARG) – 6/1, 7/5 e 6/4
- Segunda rodada: Gustavo Kuerten x Agustin Calleri (ARG) – triplo 6/4
- Terceira rodada: Gustavo Kuerten x Karim Alami (MAR) – 6/3, 6/7 (3-7), 7/6 (7-5) e 6/2
- Oitavas de final: Gustavo Kuerten x Michael Russell (EUA) – 3/6, 4/6, 7/6 (7-3), 6/3 e 6/1
- Quartas de final: Gustavo Kuerten x Yevgeny Kafelnikov (RUS) – 6/1, 3/6, 7/6 (7-3) e 6/4
- Semifinal: Gustavo Kuerten x Juan Carlos Ferrero (ESP) – 6/4, 6/4 e 6/3
- Final: Gustavo Kuerten x Alex Corretja (ESP) – 6/7 (3-7), 6/2 e 6/0
Tri poderia ter virado penta 4n2h3
Na avaliação de Guga, a trajetória vitoriosa que coroou o tricampeonato de Roland Garros poderia ter sido ainda melhor, caso a lesão no quadril não tivesse abreviado sua carreira.
“Meu tênis estava brotando ali, estava só começando. Dá para dizer que cinco títulos de Roland Garros seria normal, natural. Eu poderia jogar mais cinco anos como favorito, com certeza. Podia ganhar, podia perder, mas mais uns dois títulos teria que vir. É muito difícil ser menos que isso”, disse Guga. “Se não fosse o quadril, seria dali para mais”.

O ex-atleta lembra que vinha evoluindo a cada temporada, elogiou o treinador Larri o, e disse que vinha trazendo “situações diferentes” para a quadra ano a ano.
“Dava para ver que, a cada ano em que eu era provocado, eu trazia uma situação diferente para a quadra. Vinha um cara novo, montávamos um plano. O Larri [os] me incentivava e dava certo”, pontua.
Seguidas cirurgias p402s
O catarinense, no entanto, “pisou no freio” e reconheceu que teria dificuldades para levantar mais vezes a taça do torneio diante da eminente ascensão do espanhol Rafael Nadal, que começou a dominar Roland Garros a partir de 2005.
“Contra ele eu iria penar [risos]. Ele iria me fazer pagar caro por estes troféus a mais”, brincou Guga.
Para o ex-tenista, a experiência obtida no circuito já trazia frutos e poderia ter viabilizado novas conquistas, caso não fossem as repetidas cirurgias no quadril.
“Joguei com 28 anos já meio capenga, ganhei do [Roger] Federer em 2004. E, já com graves problemas, podia aproveitar a simplicidade que os anos vêm trazendo e tudo parecia mais fácil”, avalia.
Popularidade do tênis no Brasil 3s1u5y
A conquista do tricampeonato em 2001 confirmou o domínio do brasileiro no circuito. “Com certeza, foi o ano de maior impacto. Eu entrava na quadra e os rivais se apavoravam”, afirmou.
O brilho do ‘manezinho’ ajudou a tornar a modalidade mais popular em solo nacional. As finais em que o tenista participava eram comparadas a partidas de futebol onde as pessoas reuniam em bares para torcer por seu ídolo.

“Acho que 2001 foi o auge do tênis no Brasil. As pessoas conversavam sobre os jogos no supermercado, no açougue”, lembrou Guga.
A lamentação por parte do ídolo nacional fica pelo fato de não ter deixado “herdeiros” no esporte. Para Guga, o Brasil precisará de ao menos duas gerações vitoriosas no esporte para que ele volte a se popularizar.
“Uma andorinha só não faz verão. Pode ser número um do mundo, não garante nada. Mas se tivermos três, quatro caras muito bons, consistentes. Uma nova geração, com quatro, cinco treinadores preparados para o desafio, aí começa a ter um fluxo de produção. Sempre comparo com o futebol, que tem uma linha de produção, cheio de escolinhas pelo Brasil todo”, avalia.
No entanto, Guga mantém a esperança de ver novos tenistas brasileiros brilhando no circuito e citou o vilense Pedro Boscardin.
“Podemos ter quatro representantes dentro do Top 100 do ranking, quatro dentro de um Grand Slam. Isso é viável, é possível. Já temos uma base, subimos alguns degraus. Precisamos refinar o alto rendimento”.
Final da carreira 283s2g
Após o último grande brilho em 2001, Guga venceu mais quatro torneios, todos menores. O último veio em 2004, já com dificuldades físicas em quadra por conta dos problemas no quadril.
Ele abandonou oficialmente as quadras em 2008, justamente em Roland Garros, torneio no qual entrou na chave como convidado da organização.