DA COMBUSTÃO 4f2z2r

AO ELÉTRICO 6hf2y

O futuro começou: projeto em Santa Catarina transforma carros a combustão em 100% elétricos 673s3a

Profissionais da área projetam expansão dos carros elétricos impulsionada por benefícios como sustentabilidade e economia 6g14v

Já pensou como seria poder abastecer o carro na sua própria casa, usando apenas uma tomada conectada à energia elétrica? Pode até parecer uma realidade distante, mas o conceito tem se tornado cada vez mais comum com o crescimento do setor de veículos elétricos, que substituem os combustíveis fósseis pela eletricidade.

Em Santa Catarina, uma iniciativa do grupo de pesquisa em mobilidade elétrica do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) está transformando veículos com motor a combustão em carros 100% elétricos a partir de tecnologia quase totalmente catarinense.

O projeto ConVerTE conta com a participação de 30 pessoas, entre professores e alunos. Tem como objetivo inicial a conversão de veículos da frota pública, além de fazer um estudo do perfil do público e contribuir para a formatação de uma legislação específica para as conversões.

De acordo com Erwin Werner Teichmann, professor do IFSC que participa do projeto, o estudo para a realização da conversão é baseado especialmente no cenário do Brasil, uma vez que por aqui não há subsídios e apoios fiscais como os oferecidos na Europa e nos Estados Unidos.

A Itália, por exemplo, reservou € 8,7 bilhões (cerca de R$ 44,950 bilhões) até 2030 para o e à indústria automotiva. O plano Ecobonus prevê o investimento do subsídio de até € 3 mil (R$ 15 mil) para os italianos que investirem na compra de um carro elétrico novo de, no máximo, € 35 mil. O valor do auxílio pode subir para € 5 mil (R$ 25 mil) caso seja uma troca envolvendo um modelo com motor a combustão. Ou seja, o objetivo é reembolsar parte do valor gasto na aquisição do veículo como forma de incentivo.

Já no Brasil, a CCT (Comissão de Ciência e Tecnologia) do Senado aprovou, em maio deste ano, um projeto de lei que cria uma política de incentivo tributário à pesquisa de desenvolvimento da modalidade elétrica no Brasil.

O projeto determina que as empresas beneficiadas com renúncias fiscais no programa de inovação Rota 2030 – Mobilidade e Logística deverão aplicar 1,5% do benefício tributário em pesquisas sobre o desenvolvimento da tecnologia para carros elétricos. A análise do projeto segue para a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado – ainda sem definição de quem será o relator. 

De acordo com o Senado Federal, dificilmente o texto será analisado pela Comissão antes de junho. No entanto, caso seja aprovado na Casa, o projeto de lei de 2019 seguirá para a Câmara dos Deputados para aprovação com maioria simples dos votos, e finalmente para sanção do presidente da República.

Conversão em qualquer carro q1927

No projeto ConVerTE, a ideia inicial é desenvolver a conversão em cinco veículos, com um sistema que conta com baterias, motor e o powertrain (trem de força, em inglês) – que tem como função transmitir a energia do motor elétrico para as rodas. A transmissão é CTT (Transmissão Continuamente Variável), que não tem marchas, e sim um disco e roletes de pressão com posição variável. Dessa forma, o carro acelera de forma gradual, como se tivesse apenas uma marcha. 3g3m2k

O primeiro carro completamente convertido foi uma Fiat Fiorino (doada pela Receita Federal), com um sistema de conversão que pode custar entre R$ 60 mil e R$ 100 mil. “Hoje conseguimos fazer a transformação de qualquer carro fabricado porque a tecnologia já existe. A ideia é apenas tirar o motor e aproveitar o restante”, explica o professor Erwin Werner Teichmann.

Neste primeiro momento, o utilitário recebeu um motor elétrico importado com quase 160 cavalos de potência e uma grande bateria NMC (níquel, manganês e cobalto) com autonomia de até 300 km por carga. As células do componente vêm da China, mas a bateria é montada pelos próprios pesquisadores do IFSC.

“O principal custo é a bateria. Mas supondo que um servidor público ande 50 km por dia, o carro pode ficar carregando na parte da noite. Então eu não preciso de uma bateria tão grande para esse perfil de uso e o valor da conversão pode ser reduzido”, destaca Erwin.

“A oferta vai gerar demanda e as fabricantes vão produzir em maior quantidade e menor preço”

Erwin Werner Teichmann, professor do IFSC

Atualmente os motores são importados, mas o objetivo dos pesquisadores é utilizar motores nacionais, especialmente os produzidos pela WEG, multinacional com sede em Jaraguá do Sul, no Norte de Santa Catarina.

“O único ponto positivo do motor importado é ser mais barato para poucas unidades. Porém, além de ser da melhor fabricante de motores elétricos do mundo, a assistência técnica da WEG é mais ível e eles documentam muito bem o material. Isso nos concede uma vantagem gigantesca”, diz o professor.

O pesquisador destaca ainda que é possível diminuir o custo da conversão aumentando a produção. 

Frenagem para recarregar a bateria 602m1u

O projeto do IFSC também inova em outro ponto: o carro trabalha com uma corrente de carga alternada em que a bateria recarrega durante a frenagem. Lembrando que nos carros elétricos a bateria descarrega conforme o condutor acelera o veículo.

“Supondo que o motorista esteja descendo um morro, o carro vai frear assim que tirar o pé do acelerador e essa frenagem vai virar uma recarga para a bateria do veículo. É impossível pensar nesse retorno em um carro a combustão”, exemplifica Erwin.

Além da Fiorino, a Receita Federal fez a doação de uma Fiat Strada que receberá o sistema de conversão. A Renault também cedeu um Renault Kwid em regime de comodato, que receberá um sistema híbrido – ou seja, um motor a combustão que vai trabalhar em conjunto com o elétrico.

“Vamos instalar o motor direto na roda traseira, onde fica a parte do freio tambor, para que ele trabalhe com o motor a gasolina na frente. O nosso objetivo é que esse carro ande até 200 km com apenas um litro de gasolina”, complementa o professor.

O projeto conduzido pelo IFSC conta com aporte financeiro de R$ 6 milhões por meio da Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina), da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e do polo Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação) do IFSC.

Setor cresce, mas popularização ainda enfrenta barreiras 3z2d4d

Se para muitas pessoas os carros elétricos ainda não parecem uma possibilidade, para outras eles já fazem parte do dia a dia. Prova disso são os dados do Anuário Brasileiro da Indústria Automobilística de 2022, que mostram o aumento do licenciamento dos carros eletrificados no país.

Segundo o levantamento, um único carro elétrico novo foi licenciado em 2006. Já 14 anos depois (2020) foram 19.687, número que deu um salto em 2021, chegando a 34.839 – aumento de 76% no licenciamento de elétricos novos.

LICENCIAMENTO DE CARROS NOVOS POR COMBUSTÍVEL



É bem verdade que, em comparação com o número de carros a combustão, o índice de veículos elétricos ainda é pequeno: cerca de 1% da frota total. Mas a tendência é que esses automóveis ganhem mais espaço nos próximos anos, como já ocorre em outros países.

O engenheiro eletricista e professor do IFSC Rubipiara Cavalcante Fernandes destaca que os carros elétricos e híbridos representaram 9% do total da frota de veículos novos vendidos em 2021.

“É uma tendência mundial a substituição dos carros a combustão por veículos elétricos na comunidade europeia, onde alguns países querem trocar toda a frota até 2030″

Rubipiara Cavalcante Fernandes, professor do IFSC

Já no Brasil, a participação desse segmento ainda é menor, mas importante, como explica Diogo Seixas, diretor de Infraestrutura da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).

“Na Noruega, 90% dos carros novos vendidos são elétricos. No Brasil a participação é pequena, mas é muito relevante porque é uma frota nova em um país com poder aquisitivo muito menor do que na Europa. O que mostra que, para uma parcela da população, isso já é uma prioridade”, destaca.

Para ele, um dos impeditivos para a popularização dos carros elétricos no Brasil é o preço – o veículo elétrico mais barato no país custa cerca de R$ 140 mil. Isso porque todos os carros eletrificados são importados. “Tem a questão da moeda, dos impostos de importação elevados e o transporte caríssimo”, explica.

R$
0
mil
é o veículo elétrico mais barato comprado no Brasil

Apesar disso, ele destaca que o mercado mundial já percebeu a valorização desse segmento no Brasil, o que tem feito com que montadoras comecem a adaptar suas plantas para a produção de elétricos.

“A partir de 2023 já haverá carro elétrico produzido no Brasil, com custo de aquisição menor, porque são menos impostos, menos despesas com frete e sem desvalorização cambial” 2x2r1y


Medo do desconhecido também é obstáculo 621y6e

Mas o preço não é a única barreira: há também um “medo do desconhecido”, diz o diretor da ABVE. Apesar do crescimento das vendas de elétricos, muitas pessoas ainda não conhecem esse segmento. E acostumadas aos carros com combustão, preferem os veículos convencionais mesmo quando possuem o valor necessário para a compra do eletrificado.

“As pessoas estão acostumadas a dirigir um carro a gasolina, o que é algo normal. A maior barreira hoje é desmistificar, educar o consumidor, mostrando que alguns receios não fazem sentido”, ressalta. Um desses receios é sobre a durabilidade da bateria, por exemplo, que segundo o especialista pode chegar a 25 anos.

Qual é a estrutura para os carros elétricos em Santa Catarina? 3t464w

Para quem está acostumado aos carros a combustão, a rotina de “abastecimento” de um elétrico pode até parecer estranha – mas é uma simples questão de hábito! No dia a dia de quem vive na cidade, por exemplo, basta chegar em casa, colocar o carro para carregar em uma tomada e seguir a rotina.

Qualquer tomada convencional de 20 amperesserve para o carregamento 321y5q

Já o carregador pode ser do modelo comum, que acompanha o veículo e completa a carga em cerca de 9 horas, ou um wallbox, que faz isso na metade desse tempo e pode ser comprado separadamente. Na prática, você pode deixar o seu veículo carregando enquanto dorme.

Aliás, para entender o perfil do uso dos carros elétricos no setor público (uma das premissas do projeto do IFSC), foi disponibilizado um Renault Zoe para os servidores da Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina). Além disso, um eletroposto foi instalado no Palácio Barriga Verde para que eles utilizem e testem o serviço.

Fiquei na reserva na rua, e agora?

Já se você estiver na rua e o automóvel chegar à “reserva”, outra alternativa são os eletropostos. Eles são divididos em:

  • Postos para “recarga de conveniência”: são aqueles localizados nos centros urbanos (como em shoppings);
  • Postos para “recarga de necessidade”: são os instalados nas rodovias e que oferecem carregamento total em até 30 minutos.

 

Para o diretor da ABVE, Santa Catarina oferece uma boa infraestrutura para carregar o veículo em casa. “A rede elétrica muda de um estado para outro e uma das melhores é a de Santa Catarina, em relação à estabilidade, configuração de potência e tensão”, observa Diogo.

O mesmo vale para os eletropostos. “Hoje temos uma eletrovia na BR-101, desde o Paraná até o Rio Grande do Sul, e outra na BR-282. Como Estado, estamos super bem distribuídos em eletropostos”, explica. “As duas coisas crescem juntas: estamos aumentando a infraestrutura à medida em que se vendem mais carros”, complementa.

O diretor da ABVE destaca que, atualmente, quem usa os eletropostos instalados pela Celesc não precisa pagar pela recarga. Isso porque a instalação é resultado de um projeto de pesquisa da concessionária para estudar a demanda, o funcionamento, a manutenção e outros aspectos dessa infraestrutura. Porém, a concessionária deve iniciar a cobrança após o fim da pesquisa.

Por que investir em um carro elétrico? 364n2q

A escolha de um carro elétrico pode ser estimulada por diversos fatores. Um dos principais, ainda mais para quem optou por esse tipo de automóvel há mais tempo, são os benefícios em relação à sustentabilidade – uma vez que esses veículos não emitem gases poluentes, como o gás carbônico. E vale destacar que é possível ser sustentável inclusive na recarga, com eletricidade proveniente de um sistema de energia solar, por exemplo.

Já atualmente, quando o preço do litro da gasolina ultraa R$ 7, um grande motivador tem sido o preço dos combustíveis. E não precisa fazer muita conta para entender a vantagem: para encher um tanque de 40 litros pagando R$ 7 por litro, o consumidor terá uma despesa de R$ 280. Já carregando o veículo em uma tomada 220V-20A, que tem potência de 4.400W (por 10 horas), o consumo será de 44 kW/h. Como em Santa Catarina o custo do kW/h é de pouco mais de R$ 0,53 em uma residência comum, o gasto para “encher o tanque” seria de aproximadamente R$ 23,40.

COMBUSTÍVEL 123k20

R$
0
,00
para encher um tanque de 40 litros pagando R$ 7/litro

ELETRICIDADE n2l12

R$
0
,40
para recarregar o carro por 10 horas pagando R$ 0,53 o Kw/h

A autonomia, é claro, depende de cada modelo de veículo, do tamanho da bateria e da potência que o carro aceita. “Enquanto antigamente os carros elétricos tinham autonomia de até 200 km, os novos costumam ter mais de 400 km, até 600 km. Os mais vendidos no Brasil estão com faixa de autonomia entre 350 e 400 km”, explica Diogo.

E os especialistas ainda destacam outras vantagens: tecnologia, menos ruído e baixo custo de manutenção desses veículos. 

“Economia e sustentabilidade chamam a atenção. Mas, em outros aspectos, eles também reproduzem a mesma velocidade, têm segurança como um carro a combustão e vão exigir muito menos manutenção”

Rubipiara Cavalcante Fernandes, professor do IFSC

O que vem pela frente 2rpr

Além do mercado de veículos elétricos estar em expansão, a pesquisa de tecnologias que possam baratear o sistema e tornar esses carros mais íveis também caminha a os largos. Exemplo disso é o próprio projeto ConVerTE, que já rende resultados.

O aluno do IFSC Luis André Parise está desenvolvendo um protótipo de uma transmissão CTT (Transmissão de Transição Contínua, em inglês), permitindo que o motor elétrico trabalhe em uma faixa de melhor eficiência. Como resultado, é possível incluir motores menores, mais eficientes e reduzir também o tamanho das baterias.

“Podemos afirmar, com certeza, que a transmissão CTT, por sua simplicidade e reduzido número de componentes, terá um preço final muito inferior a qualquer transmissão similar hoje no mercado”, explica Luis.

O objetivo é incluir o novo sistema de transmissão no Kwid híbrido, possibilitando a instalação de um motor elétrico menor. Os pesquisadores também estão desenvolvendo uma bateria que pode carregar em até 6 minutos, enquanto a convencional recarrega em 6 horas.


Embora a conversão já esteja em desenvolvimento no IFSC, a tecnologia ainda carece de regulamentação para que possa ser utilizada fora do ambiente de pesquisa. “É preciso uma unidade certificadora, alguém para dizer que está tudo certo para registar esse carro. Para que não seja qualquer tipo de conversão e coloque em risco o ageiro”, explica o professor Rubipiara.

Essa regulamentação é uma atribuição do governo federal. “Nós estamos trabalhando, pegando a regulamentação de outros países, como a França, que tem o modelo mais avançado. Há várias frentes de trabalho preocupadas com isso, a tendência é elaborar um projeto de lei para ser encaminhado e aprovado”, ressalta.

Rubipiara salienta que o crescimento das vendas proporciona um “clima agradável” para a aprovação da regulamentação, apesar de um provável lobby da indústria petroleira, interessada em manter o espaço dos combustíveis fósseis. “Vai ter muita resistência para aprovar”, avalia.

Até lá, instituições como o IFSC garantem que haja profissionais habilitados para esse mercado no futuro. “Nós, como instituição de ensino, temos que estar preparados. Temos a responsabilidade de pensar no futuro e preparar os profissionais que vão atuar nesse mercado”, salienta o professor Rubipiara.

Para os profissionais da área, aliás, é certo que esses carros devem ocupar cada vez mais espaço no país. “O Brasil não vai ficar atrás. Até 2050 eu acredito que grande parte da nossa frota vai ser toda elétrica”, destaca Rubipiara. Para o diretor da ABVE, também não há dúvidas: “é uma questão de tempo, um caminho sem volta”.

Reportagem: JULIANE GUERREIRO E MARCOS JORDÃO Edição: BEATRIZ CARRASCO Edição digital: LUIS DEBIASI Fotos: LEO MUNHOZ