Dois influenciadores de Balneário Camboriú denunciaram nos últimos dias ameaças racistas recebidas por eles através de mensagens nas redes sociais. Pessoas utilizando contas falsas têm enviado ameaças de morte e ofensas racistas desde 2019.
Um segundo inquérito policial foi instaurado pela Delegacia de Polícia Civil de Camboriú. Em 2019, a primeira investigação já foi concluída. O delegado responsável pelas investigações na época, Gustavo Reis, informou que, na época, ninguém foi preso, mas o autor foi identificado e indiciado por injúria racial e ameaça.

Ed Rocha Jr. e Tiane Felix somam mais de 20 mil seguidores e desde 2019 recebem esse tipo de ameaças. “De forma clara escreviam que iriam atear fogo em mim, que não era fácil a convivência com uma pessoa preta como eu nesta cidade”, contou Ed em uma postagem no Instagram.
Na mesma época, Tiane também começou a receber ameaças de morte. A modelo plus size saiu em defesa do amigo Ed, e acabou se tornando um alvo. “Quase dois anos se aram, muita coisa aconteceu, muitas sequelas ficaram (físicas e psicológicas) e me pego revivendo o mesmo sentimento de medo e impotência”, desabafou no Instagram.
As ameaças voltaram a se tornar frequentes nas últimas semanas e ambos os influenciadores publicaram prints das mensagens. Entre elas, a foto de um revólver. “Olha bem para essa coisinha linda, e depois você vai saber como será seu fim e do ‘a fome’ do Ed”, escreveu o ameaçador.
As mensagens são enviadas a partir de contas falsas, sem nenhuma publicação. Conforme o delegado Artur Nitz, que investiga o caso, os envolvidos ainda devem ser ouvidos.
Ed conta que as ameaças começaram em 2019, após ele publicar em seu Instagram comentando sobre a falta de representatividade em uma campanha publicitária. Logo depois disso usuários de contas falsas começaram a enviar mensagens dizendo que iriam matá-lo, que Balneário Camboriú não deveria ter alguém como Ed circulando nas ruas.
O influenciador conta que, a cada ameaça recebida, um boletim de ocorrência foi registrado. Foram mais de cinco só na época. “Fui convocado a depor, o autor das ameaças foi identificado e o caso está no Ministério Público, mas desde então está parado”, conta Ed.
O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) informou à reportagem do ND+, por meio da assessoria de comunicação, que está acompanhando o caso. Além disso, em outubro de 2020, o órgão encaminhou um ofício à delegacia de Polícia Civil de Camboriú solicitando que os usuários que enviaram mensagens racistas sejam identificados e investigados.
Um segundo ofício foi enviado nesta quarta-feira (16), reiterando o pedido de diligências. Questionado pela reportagem, o delegado Nitz não informou se já identificou os autores nem sobre o andamento das investigações.
OAB emitiu nota de repúdio 605k41
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) subseção Camboriú emitiu, nesta terça-feira (15), uma nota em repúdio às ameaças. A entidade se colocou à disposição dos influenciadores e deve acompanhar o caso.
“Reforçamos que racismo é crime inafiançável e deve ser punido nos termos da lei. Nossa solidariedade à Tiane e Ed”, conclui a nota, assinada pela presidente da subseção, Maria de Fathima da Costa Santini Teles.
Mensagens falsas 2a5d6s
Prints de conversas entre Ed e o ameaçador começaram a circular. Nas mensagens, “Ed” teria chegado a oferecer R$ 800 mil para não levar o caso para a polícia.
Mas, segundo a assessoria de comunicação de Ed, as mensagens foram forjadas. “As medidas judiciais já estão sendo tomadas para apuração dos fatos, ora aqui tratados pelo crime de falsa identidade, previsto no art. 307 do Código Penal, além do uso indevido de imagem”, cita a nota.
Morosidade do Judiciário 3j3g6b
Para Arisa Ribas Cardoso, professora do curso de Direito da Univali (Universidade do Vale do Itajaí) e especialista em Direito Constitucional, crimes como esse podem acabar não tendo prioridade tanto nas investigações quanto no Judiciário.
Outra possibilidade que poderia explicar a demora na resolução é a dificuldade em encontrar o réu, mesmo após sua identificação. O inquérito de 2019 identificou e indiciou o autor das ameaças, mas o processo está parado.
Além disso, a professora afirma que existe uma dificuldade em movimentar órgãos públicos para oferecer proteção às vítimas.
Cardoso também destaca a própria estrutura racista do Judiciário. “O Judiciário, a polícia, são formados em sua maioria por pessoas brancas, o que influencia que considerem esse tipo de crime como mais ‘leve’. Não que as pessoas sejam racistas, mas vivemos em uma estrutura racista, em que a muitas vezes a se pensar que este tipo de manifestação pode ter um viés de liberdade de expressão”, explica.
A professora cita o termo “racismo recreativo”, que pode ser usado para descrever piadas de cunho racista que, muitas vezes, são vistas como “não ofensivas” ou “manifestações culturais”.
“É preciso pensar sempre na ofensa que a vítima sofreu. Muitas vezes, o Judiciário e a polícia acabam se identificando muito mais com o agressor, por um pertencimento racial”, explica.