“Já na gravidez eu comecei a acreditar que eu e meu bebê éramos um problema para o meu marido. Meu bebê era um problema para mim, por mais que o amasse, eu não o queria. Nós dois éramos um problema para o meu marido e a única solução para este problema, na minha cabeça, era que nós dois morrêssemos”.
Este é o relato da primeira gestação de Carine Bueno, hoje mãe de duas crianças. Com o primeiro bebê ela sofreu de depressão perinatal, conhecida como depressão pós-parto. O relato de Carine pode assustar, mas para 10% das mulheres que estiveram grávidas no último ano no país, pode ser um relato extremamente empático.

“Eu não identifiquei sozinha que estava com depressão pós-parto. Eu só chorava muito, brigava o tempo todo com meu marido, o choro do bebê despertava em mim uma raiva e um ódio muito grande que me descontrolava e me fazia ser agressiva com ele”, começa Carine.
Pesquisas recentes já apontam que metade dos casos de depressão pós-parto começam ainda na gestação, como o caso de Carine. “Já na gravidez eu tive um choque muito grande entre as expectativas que eu criei e a realidade. Isso gerou muitas brigas entre meu marido e eu. A começar pelo sexo do bebê. Ele queria uma menina e quando descobri que era menino veio um sentimento muito forte de rejeição, eu não queria mais aquele bebê”.
Entre o amor e o desprezo
Os sentimentos eram intensos e conflitantes. Carine ganhou o bebê no Rio Grande do Sul, onde mora a mãe dela, e com 15 dias voltou ao Litoral Norte de Santa Catarina, onde vive com o marido. Com 15 dias ela teve que lidar com uma realidade completamente diferente das expectativas que havia criado.
“Quando eu ganhei meu filho eu não o queria, não queria a criança, não queria cuidar dele. No entanto, ao mesmo tempo, eu tinha um amor muito grande por ele. Eu cuidava muito bem do meu bebê, porém, em alguns momentos, sobretudo quando ele chorava ou havia alguma discussão entre meu marido e eu, eu sentia muita raiva, muito ódio do bebê estar chorando. Então, eu acabava gritando com ele, sendo agressiva mesmo ele tendo só 15, 20 ou 30 dias de vida”, relembra.

No ápice da dor
De uma forma desesperada, Carine decidiu buscar uma “saída” para que ela e o filho deixassem de ser “um problema” para o marido. Ela conta que tentou algumas vezes tirar a vida do bebê e que na última tentativa, a dela também.
“Foi o ápice da dor. Em um surto eu não queria mais ele. O choro me incomodava, eu gritava, me incomodava, mas não tinha coragem de acabar de forma drástica com aquilo. Na minha cabeça, tanto eu quanto o bebê éramos um problema para o meu marido. A gente não era bem-vindo. Na minha cabeça a gente era um problema e a única solução seria a morrer”, conta.
Por uma coincidência quase que divina, a psiquiatra que já acompanhava Carine na época a viu e a socorreu na última tentativa de suicídio. Ela precisou ficar oito meses em um tratamento intensivo psiquiátrico. A mãe de Carine já havia notado que a filha não estava bem e a levou à psiquiatra. Após a última tentativa, toda a família se empenhou para a cura dela.

Caminho da cura
Foi através do tratamento psiquiátrico e com muito apoio familiar que Carine conseguiu superar a depressão pós-parto e voltar a ser amorosa com seu bebê, inclusive ter uma gestação mais tranquila com a segunda filha. No mês da campanha Setembro Amarelo, oferecer ajuda e escuta pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Anna Nogueira, psicóloga especializada em perinatalidade, aponta alguns caminhos para a identificação precoce da depressão perinatal, como os familiares podem ajudar no puerpério, um momento extremamente delicado para as mulheres.
“A maternidade em si traz uma série de mudanças na vida da mulher que, muitas vezes, dentro do próprio puerpério isso não se resolve, considerando que um puerpério normal pode durar até dois anos, em alguns casos até três, então leva-se um tempo considerável para a mulher se conectar com ela mesma após toda essa experiência da maternidade”, salienta a psicóloga.
Anna explica que no puerpério ocorrem diversas fases. A mulher a por uma espécie de fusão com o bebê, vai tentar se encontrar enquanto mãe, e depois tentar se reconectar com ela mesma.

“A mulher perde tudo o que ela tinha de convívio social, profissional, ela precisa se reencontrar enquanto mulher, profissional, esposa e isso pode ocasionar em diversas crises, então muitas vezes a mulher leva mais tempo que o puerpério para se reconectar como mulher. Então, ela pode desenvolver depressão em qualquer fase da vida, mas nesse período pode estar mais suscetível”, destaca.

Todos os transtornos psiquiátricos são multifatoriais, não há uma única causa e efeito. Mas há fatores que não são predominantes, mas contribuem para o desenvolvimento de depressão pós-parto, são eles:
Gestação não planejada ou não desejada, mulher que já sofreu perdas gestacionais anteriores ou que realizou abortos anteriormente, gestação num contexto de crise num relacionamento, maternidade solo, problemas financeiros, mulheres que têm um histórico pessoal e familiar de transtornos psiquiátricos mais graves como depressão, psicótico, esquizofrenia e bipolaridade. Luto recente entre outros problemas.
“Nestes casos, eu costumo indicar que mulheres que entram nestas categorias façam uma ou duas consultas com psicólogos especializados em perinatalidade ao longo da gestação para poder avaliar como vai a sua saúde emocional”, enfatiza Anna.
Como ajudar
O exercício da empatia, escuta e carinho com o outro se torna primordial quando a relação envolve uma gestante. Antes de indicar o que é melhor ser feito, Anna explica que é necessário perguntar o que a mãe deseja, o que na visão dela ela precisa, se ela deseja ajuda e como podemos ajudá-la.
“A maternidade é um momento de muito julgamento. Qualquer mulher, especialmente mulheres de gerações anteriores que já são mães, se sentem especialistas no assunto e aptas a opinar na vida alheia, muitas vezes com o intuito de ajudar, mas essa ajuda acaba em alguns casos se tornando um tiro no pé”, reforça a psicóloga.
“A mulher acaba se sentindo julgada e invalidada enquanto mãe, então é importante olhar para essa mulher e perguntar como posso te ajudar hoje? O que eu posso fazer por você? E não simplesmente sair fazendo o que você acha melhor”, completa Anna.
Assunto que rende!
A depressão perinatal e outros diagnósticos são claramente complexos e seria inviável abordar todos os aspectos aqui nesta coluna, a qual tem a função de iniciar debates e não colocar os assuntos em uma caixa com soluções “fáceis” e irreais.
O assunto demanda realmente um debate amplo e um exercício mais amoroso de olhar ao próximo, especialmente às mães, às crianças. Minha proposta é que possamos exercitar um olhar mais empático e identificar quando tivermos alguém ao nosso lado com sofrimento psíquico extremo, só o olhar, como a mãe de Carine teve por ela, pode criar pontes e salvar vidas.
Vamos juntas!