A Covid-19 continua em plena expansão em Santa Catarina. Se não há uma definição entre especialistas sobre em qual “onda” o Estado se encontra, uma coisa é certa: desde março, não houve uma queda significativa no número de casos.

Os dados mostram justamente o contrário. Os casos continuam crescendo e de forma cada vez mais acelerada. Para entender o comportamento da pandemia no território catarinense, o ND+ se debruçou sobre os números contabilizados pela Secretaria de Estado da Saúde (SES).
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A reportagem analisou os dados das três primeiras semanas de registro da doença (25 de fevereiro a 17 de março), das três semanas do surto que se deu no final do mês de julho e início de agosto (19 de julho a 9 de agosto) e das últimas três semanas do mês de novembro (9 de novembro a 30 de novembro). Esses três períodos foram os de maiores picos de casos em Santa Catarina.
O ritmo da pandemia 4r1841
O dia 25 de fevereiro é o pontapé inicial do registro da Covid-19 no Estado. Até o dia 17 de março, quando começou a quarentena, foram 691 casos confirmados da doença. A primeira morte foi registrada no dia 25 de março.
De acordo com o boletim divulgado pelo Necat (Núcleo de Estudos de Economia Catarinense), vinculado à UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), observa-se que após o primeiro registro oficial de casos até a segunda quinzena de maio houve um período de crescimento linear da doença, porém, num ritmo lento.
A partir do final de maio até o final de junho houve um processo de aceleração do contágio em um ritmo bem mais forte, comparativamente aos meses anteriores.
No mês de julho houve uma explosão da doença e a velocidade de contágio aumentou em todo o Estado. Do dia 19 de julho a 9 de agosto, houve 56.861 novos casos da doença. Nesse período, houve 869 óbitos.
No mês de setembro, o ritmo começou a se reduzir para patamares abaixo de mil casos diários, mesmo que a pandemia continuasse avançando pelo território catarinense. No entanto, a partir de outubro o quadro se agravou.
Quebras de isolamento social, especialmente as vistas em feriados, e os eventos, considerando a existência de festas clandestinas fizeram com que o mês de novembro fosse o pior no que se refere aos casos da Covid-19 em Santa Catarina.
A soma dos números divulgados diariamente pela Secretaria de Estado da Saúde aponta que foram 112 mil novos casos da Covid-19 nos últimos 30 dias. Somente nas últimas três semanas, foram registrados 55.933 novos casos.
Patamares elevados 403d4y
Diante dos registros da pandemia no Estado, o professor Lauro Mattei, que coordena o Necat e assina os boletins, avalia que “nunca saímos da primeira onda”.
O professor defende que as oscilações nos números foram mínimas em Santa Catarina. Por esse motivo, a classificação por ondas não caberia. Para que assim fosse, os números teriam que registrar uma queda significativa.
Ele explica que o gráfico que mede a Covid-19 foi quase uma constante, com certa estabilidade no final do mês de agosto e setembro, mas com patamares ainda muito elevados.

“Na Europa houve picos enormes em janeiro e fevereiro e depois disso uma queda brusca. Com a chegada do verão, houve novos picos e daí então, uma segunda onda. Isso não aconteceu aqui, nem no Brasil e nem em Santa Catarina. A curva continuou muito elevada, mesmo com períodos de estabilidade”, diz.
Análise semelhante é feita por Fabrício Augusto Menegon, professor de Saúde Pública da UFSC. Ele aponta que a queda da curva em alguns momentos é um comportamento normal da pandemia, mas mesmo nesses períodos o patamar se manteve elevado.
Na visão do especialista, o nível sempre alto dos números da Covid-19 em Santa Catarina é fruto de estratégias falhas de controle da pandemia.
As constantes flexibilizações levaram as pessoas a ficarem mais expostas à doença. Além disso, a população estaria saturada do isolamento social e desacreditada das medidas de segurança, o que gera um aumento ainda mais acelerado de casos.
O cenário é diferente do que se viu nos primeiros meses de quarentena, quando o isolamento social teve mais adeptos.
Dinâmica da contaminação y451i
Do ponto de vista do movimento dinâmico da doença, o estudo do Necat considera que o contágio se iniciou pelas grandes cidades do Estado e se expandiu, posteriormente, para as cidades polos regionais.
A partir daí, ou a se disseminar pelos pequenos municípios do interior catarinense. Outros estados também apresentaram movimento semelhante.
“Em grande medida, verifica-se que após mais de oito meses do primeiro registro, essa seria a terceira fase de espraiamento da doença no território catarinense, movimento que acabou atingindo todo o Estado”, aponta o boletim.
A velocidade do contágio pelo território também chama a atenção. Até junho a dinâmica da contaminação era baixa. Contudo, o cenário mudou nas semanas seguintes. O Necat calcula o tempo de duplicação de cada dez mil casos em Santa Catarina no período que vai de 12 de março a 26 de novembro.
Pela tabela é possível perceber que, inicialmente, o tempo para se atingir os primeiros 10 mil casos foi de 82 dias. Já para atingir o segundo foi de apenas 20 dias, fato que ocorreu durante o mês de junho.

Essa redução já estava indicando a aceleração do processo de contaminação. Durante o mês de setembro observou-se um aumento do tempo que não vingou: em outubro e novembro houve a expansão da doença e os níveis de contaminação voltaram a acelerar.
Ações do poder público 1u2e3z
Os três momentos da pandemia são resultado direto das ações do poder público, de acordo com o professor Lauro Mattei. No início, tomou-se uma atitude mais rígida e foi possível manter a doença sob controle.
Contudo, as flexibilizações vieram cedo e os níveis da doença tomaram outras proporções, como as observadas em julho e agosto. Entre elas, estão a permissão de abertura de lojas, shoppings, restaurantes, bares e o retorno do transporte coletivo.
A autonomia dos municípios no controle da pandemia também teria sido prejudicial, conforme Mattei, uma vez que “cada um fez o que quis”.
A crise política decorrente do processo do impeachment do governador Carlos Moisés seria outro ponto que teria agravado a gestão da pandemia, quando a Covid-19 saiu do foco.
Paralelo a isso, tem-se praias cheias, feriados e o descumprimento às regras sanitárias. Sobre o último, o professor Fabrício Menegon ressalta que o desrespeito acontece não só entre as pessoas, de forma individual, mas pode ser observado em estabelecimentos.
“Vemos o comércio, shoppings, supermercados lotados. Sem nenhum controle de o e de taxa de ocupação, usando técnicas contestáveis, como a medição de temperatura. Associado a isso, está o fato de que a população vem relativizando as medidas de proteção individual. Somando tudo isso se tem o cenário perfeito para propagação da pandemia”, diz.
Dinâmica das mortes 5db26
A dinâmica do número de óbitos teve uma progressão lenta em Santa Catarina até meados de maio. O primeiro óbito foi registrado no dia 25 de março e o Estado atingiu a marca de 100 no dia 19 de maio.
No recorte temporal proposto na reportagem, entre os dias 25 de fevereiro e 17 de março, o Estado não havia registrado nenhum óbito.
Porém, até esta terça-feira (1º), o Estado já havia atingido a marca de 3.809 óbitos. Foi a partir de maio que houve um aumento considerável nas mortes. Entre 19 de julho e 9 de agosto foram registrados 869 óbitos.
Mesmo com a expansão do número de casos, o mês de novembro indicou uma desaceleração nas mortes. A taxa de letalidade atual é de 1,02%, a menor do país.
O antes e depois dos óbitos 6u55m
O especialista em Saúde Pública, Fabrício Menegon explica que essa retração no número de óbitos ao mesmo tempo em que os casos aumentam está relacionada com os grupos sociais que se expõem à doença atualmente.
Segundo ele, esses grupos são diferentes daqueles que se expam no pico do mês de agosto ou no começo da pandemia. Hoje, são pessoas que tiveram a oportunidade de permanecer em casa durante boa parte da pandemia, trabalhando de forma remota e distante do contágio.
São pessoas com melhores condições financeiras e que encontram um cenário melhor de tratamento da doença do que a meses atrás.
A disponibilidade de mais leitos de UTI e a própria experiência adquirida pelos profissionais da saúde no tratamento da Covid-19 são condições favoráveis para um desfecho positivo.
Para Menegon, ainda que a taxa de ocupação dos leitos de UTI esteja alta, a evolução para o óbito é menor.
Além disso, o tempo de internação dos infectados também diminuiu. Se há quatro meses os pacientes permaneciam internados em média 20 dias, hoje as internações duram cerca de 15 dias.
Faixa etária da infecção 5d2ca
Vale ressaltar a faixa etária da população que está se expondo mais ao vírus: são adolescentes e jovens com chances bem menores de evoluir para casos graves em comparação com idosos, por exemplo.
De acordo com o último boletim do Necat, entre os dias 1º e 28 de novembro, o número de infectados entre 10 e 29 anos cresceu 38%. O levantamento considera as duas faixas etárias: de 10 a 19 e de 20 a 29 anos.
Nos grupos com idade de 30 a 39 anos e 50 a 59 anos, o crescimento foi de 35% e 36%, respectivamente. Também houve aumento de 26% em crianças de até nove anos infectadas pelo novo coronavírus.
Menegon fala que a alta de casos entre os jovens está diretamente relacionada ao comportamento. O relaxamento de medidas de proteção e o imaginário de que essa população tem sintomas brandos, levam à maior exposição. O exemplo são praias lotadas e festas em meio à pandemia.

Para o especialista, neste momento, a maior infecção entre os jovens não está, necessariamente, ligada ao retorno das aulas presenciais em Santa Catarina “até porque não temos ainda um volume de retorno muito grande, que explicaria algo nesse sentido”.
Em números absolutos, desde o início da epidemia em Santa Catarina até está terça-feira, 21.283 crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram infectados pelo vírus. Entre os menores de até nove anos, o total é de 10.439 contaminados.
Mas é entre os jovens de 20 a 29 anos que está o maior número de infectados: 78.497. O que representa 21% do total de casos no Estado. Foram registradas 34 mortes em decorrência da doença no grupo.
Reunião entre Estado e municípios 582u1b
O combate à Covid-19 será tema da reunião entre o governador Carlos Moisés da Silva (PSL), a Fecam (Federação Catarinense de Municípios) e prefeituras do Estado, nesta quarta-feira (2). O encontro acontece de maneira virtual às 17h.
As prefeituras devem apresentar propostas ao governo conforme a realidade de cada local. A decisão sobre novas restrições ou flexibilizações deve sair após a reunião.
A SES irá apresentar o cenário atual, além de projeções futuras. Acredita-se que medidas sejam anunciadas ao término do encontro.