Nas últimas semanas o Brasil inteiro se deparou com imagens chocantes de crianças da tribo Yanomami com costelas aparecendo, braços e pernas pequenos. As fotos remontam o cenário de desnutrição que assola a população. Além da fome, a malária e outras doenças contagiosas também fazem parte do cotidiano local.
Segundo o médico de família Murilo Leandro Marcos, para explicar toda a situação é preciso entender o que é desnutrição. O profissional trabalhou com saúde indígena no Amapá, Pará e Roraima e atualmente trabalha com o povo guarani da Grande Florianópolis.
“Desnutrição é quando a pessoa não tem o à comida, água e os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento, e então a gente chama esse estado de desnutrição”, inicia sua explicação.

No entanto, a desnutrição não fica restrita somente à comunidade. Isso porque, por conta da riqueza de minérios da região, os problemas causados pela contaminação do solo feita por garimpos que vão atrás dessas preciosidades rodeiam o espaço.
O médico conta ainda que essa não é uma situação vista apenas em 2023. No final da década de 80 e início da década de 90 os Yanomami já sofriam com a falta de alimentos.
“Por ser uma região muito rica em minério que teve uma invasão garimpeira, os minérios acabam indo para o solo”, diz.

Naquela época, segundo o médico, os garimpeiros foram mandado embora do espaço. Na data, o então presidente Fernando Collor de Mello conseguiu expulsar cerca de 40 mil pessoas que exerciam ilegalmente a atividade no local.
Collor mandou a Polícia Federal e o Exército, explodir pistas no espaço. Elas eram, literalmente, pistas de pouso clandestinas que possibilitaram a chegada dos garimpeiros.
No entanto, a medida não deu certo. O projeto com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) cessou o abastecimento de combustível e comida para os garimpeiros, o que aí, sim, surgiu efeito.
Mas como o garimpo interfere na saúde e no alimento que você consome? 384j3p
Segundo o médico de família, tudo começa pela destruição do meio-ambiente físico e a destruição da floresta para fazer o refino do ouro. Para refiná-lo, é preciso usar o mercúrio.
“Esse mercúrio começa a penetrar, pode ir para o lençol freático e se formam aquelas grandes poças d’água”, explica.
Ainda conforme o médico, essas poças tiram o espaço da terra e acabam sendo levadas para os rios com a correnteza.
De acordo com Ana Paula Fagundes, mestre em Engenharia Química, a presença de mercúrio na água pode contaminar toda a bacia hidrográfica. E ressalta a intensidade da contaminação depende de vários fatores, tais como a concentração do contaminante na água e as condições ambientais, como a variação da vazão conforme a estação do ano.
Segundo a profissional, os peixes viram a questão mais crítica da história. “Os peixes podem ser contaminados, e esse tipo de metal pesado não é eliminado do nosso corpo, ele apenas vai acumulando”, diz.
Sendo assim, é possível que materiais contaminados cheguem na mesa da população local que compra os animais. No solo, é possível que atrapalhe o plantio e se dissemine por meio da agricultura para outros locais fora da aldeia.
Outra questão levantada pela profissional é que, muitas vezes, garimpeiros ilegais causam problemas até mesmo para a própria saúde, por mexerem em uma substância tão tóxica sem equipamentos adequados.
Como isso gera fome na população? 4o6x2v
De acordo com o médico Murilo Leandro, a atividade destrói a floresta e áreas que seriam usadas pelos indígenas para o plantio da roça. Os povos originários plantam normalmente banana, mandioca e milho, por exemplo.
“Essa é a resposta para outra pergunta. Muitas vezes esses povos recebem cestas básicas, mas nem é a comida que estão acostumados a comer. A vivência deles é essa, plantar para comer, e comidas típicas que remetem à toda a sua história”, fala o profissional.

Além do plantio, os Yanomami vivem muito da coleta e da caça. Sendo assim, por conta dos garimpos os animais começam a fugir, ou seja, não há mais o que caçar. Os peixes estão contaminados, não há mais o que pescar, e isso vira uma reação em cadeia.
Violência e estupro 365x5f
Segundo o médico, outra grande preocupação dos locais são o alto número de registro de estupro e violência contra as mulheres das aldeias. Com fome, os homens acabam ando ainda mais tempo buscando alimento, e os garimpeiros supostamente cometem crimes contra os indígenas.
O MPF (Ministério Público Federal) em Roraima listou 13 visitas, nove ações e quatro recomendações em suas investigações de casos de violência e proteção dos povos entre 2021 e 2022.
Um caso de estupro está, inclusive, investigado pelo Ministério Público. Segundo o portal UOL, um dos casos de maior repercussão ocorreu em abril de 2022, quando uma menina de 12 anos da comunidade Aracaçá teria sido estuprada e morta por garimpeiros.
O relatório Hutukara Associação Yanomami, lançado no início de 2022, explica que os garimpeiros oferecem comida para as mulheres em troca de sexo.
“Eles falam assim para os Yanomami: ‘Se você tiver uma filha e der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!’. Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente após apalpar é que dão um pouco de comida. ‘Se eu pegar tua filha, não vou mesmo deixar vocês arem necessidade!’, assim os [garimpeiros] falam muito para os Yanomami”, fala o relatório.
Malária 2v2a66
Segundo o site oficial da FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz), a malária é uma doença infecciosa, febril, aguda e potencialmente grave. Ela é causada pelo parasita do gênero Plasmodium, transmitido ao homem, na maioria das vezes pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados, também conhecido como mosquito-prego.
Entre 2014 e 2020, o número de enfermos por malária Falciparum cresceu 716 vezes nos indígenas Yanomami.

Segundo o site InfoAmazonia, o desmatamento causado pelo garimpo e as piscinas de resíduos deixadas pela atividade alteram o ecossistema das regiões favorecendo o aumento do número de mosquitos. Além disso, os próprios garimpeiros acabam contaminados, colaborando para o crescimento disseminação da doença.
Para o médico de família Murilo Leandro, para comprovar esta teoria é apenas preciso sobrepor o mapa com o número de contaminados por malária com o número de garimpos na região.
Dados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Malária informam que dos 123 mil casos de malária registrados no Brasil em 2022, 11.530 ocorreram no território yanomami. Ou seja, quase 10% da população do país com a doença são do povo originário.
Para resolver o problema, o médico Murilo Leandro sugere que haja mais médicos do SUS (Sistema Único de Saúde), enviados ao local.
“Desde o começo do ano já foram trazidas cerca de mil pessoas para Boa Vista, para realizar tratamentos médicos. Antes, os profissionais nem conseguiam chegar ao local para levar medicamentos básicos para a população e atendimento”, reitera.
Para ele, além da mudança na saúde pública local, é preciso ações de segurança pública, remoção de garimpos ilegais, por exemplo. São elas, que podem ajudar a salvar a população que está cada vez mais adoecendo por problemas que, antes, não faziam parte do cotidiano local.