A cultura do descarte, o estigma e o preconceito em relação ao envelhecimento são muito presentes em uma sociedade cada vez mais perseguidora de um ideal inexistente de ‘juventude eterna’. E são as mulheres as principais vítimas dessa opressão.
Lidar com comentários incapacitantes, com a menopausa e com o processo de envelhecimento em si, é, na maioria das vezes, doloroso. No entanto, muitas mulheres vêm rompendo com os padrões e enxergando, através da autoaceitação e da valorização da autoestima, a fórmula para se livrarem de tantas amarras.
Reconhecer e ocupar os espaços que são de direito das mulheres maduras, inspirá-las e incentivá-las a serem quem são, assumindo suas vivências com orgulho, são alguns dos propósitos da influencer Ceres Azevedo, de 62 anos.

“Depende de nós acreditar que podemos”, afirma Ceres, que atualmente têm 27,4 mil seguidores no Instagram.
Com um perfil voltado ao público feminino acima dos 50 anos, a gaúcha que vive em Florianópolis há quase 30 anos, apresenta um conteúdo focado em lifestyle, em que mostra de tudo um pouco: moda, decoração, beleza, gastronomia, atividade física e alimentação saudável.
“Nós temos de incentivar uma às outras. Juntas somos mais. Precisamos nos motivar e mostrar que há diversas possibilidades”, destaca.
Segundo ela, o objetivo não é colaborar com a transformação apenas das mulheres mais velhas, mas alcançar também as mais jovens, para que se espelhem e normalizem o envelhecimento no futuro.
Em seu feed, Ceres mostra que mulheres podem ser e fazer o que quiserem, independente da idade. Podem assumir os cabelos brancos, mantê-los curtinhos em um um visual ‘modernoso’ como o dela, se vestir bem, se maquiar, praticar exercícios físicos, ser adepta às cirurgias plásticas, ou não, manter as rugas… O importante é se aceitar.
Os comentários maldosos sobre a aparência – alguns como “cabelo curto é coisa de homem” ou “essa velha se acha” – não a atingem e nunca a fizeram pensar em desistir do seu trabalho e intuito.
“A gente tem que se sentir bem e segura. Os comentários vêm de qualquer jeito. Me descobri como mulher e nunca imaginei que iria me reinventar aos quase 60 anos”, completa.
Como tudo começou
Apesar dos altos e baixos ao longo da vida, Ceres afirma que sempre foi uma pessoa para frente. No entanto, o sucesso na internet não aconteceu da noite para o dia. Ela precisou se reinventar após descobrir uma doença, a espondilite anquilosante, que afeta a coluna vertebral e as articulações.
Por conta disso, não tinha mais condições físicas de trabalhar. Na época, trabalhava com gastronomia, área que ama, e chegou a abrir um café, o “Ceres Azevedo & Cia”. Com o negócio, produziu mais de 300 eventos entre jantares e festas de aniversário, casamento, e publicou dois livros de culinária: “Cardápios para o Dia a Dia” e “Cardápios para Receber Amigos”.
Além de lidar com a doença, havia outro desafio: reinventar-se aos quase 60 anos. Ceres chegou a pensar: “O que vou fazer da vida agora?”. Graduada em Publicidade e Propaganda, ainda jovem saiu da casa dos pais para crescer e ser independente. Foi aí que ela começou no ramo da Moda, depois migrou para a gastronomia, e por fim, com quase 60 anos, conseguiu se reinventar. Juntou o que gosta e resolveu compartilhar na Internet.
Por conta do incentivo dos filhos e de algumas mentorias, ela decidiu criar um perfil na web e compartilhar experiências e dicas para mulheres a partir dos 50 anos. “No começo, muitas pessoas não acreditaram no potencial, principalmente por conta da idade”, explica.
Os desafios de envelhecer
O primeiro mito derrubado por Ceres foi o da incapacidade. Ao ter que lidar com gadgets e tecnologia, ela, que só sabia enviar e-mails, simplesmente aprendeu, derrubando a tese de que idosos não são capazes de adquirir conhecimento. “Temos de acreditar em nós mesmos”, completa.
Outro desafio – e talvez o mais cruel – imposto às mulheres é o da pressão por estarem sempre encaixadas em um padrão de beleza.
“Se a mulher quiser mexer no rosto, tudo bem. Se quiser manter as rugas, tudo bem também. Se quiser pintar o cabelo ou deixar branco também tá tudo certo. Cada um tem que fazer o que quiser, mas desde que se respeite e se aceite. Já ouvi comentários negativos sobre ter cabelos curtos e por ter deixado de pintar os fios, porém, nunca me importei. Não quero olhar para o meu rosto e não me reconhecer. No momento, não pretendo fazer plásticas, mas se eu quiser mais tarde, tudo bem”, destaca.
Gerontologista fala sobre envelhecimento
A moradora de Florianópolis Mônica Joesting Siedler, de 66 anos, é socióloga e especialista em Gerontologia – que estuda o envelhecimento -, e conta que desde criança gostava de ouvir e conversar com pessoas idosas.
Atualmente, ela oferece cursos e palestras sobre envelhecimento para pessoas com mais de 50 anos. E como gosta também de Cinema, a socióloga une os dois assuntos em seu perfil no Instagram, espaço em que realiza debates, lives e exibe filmes que representam a terceira idade.

Mônica também gosta de fazer crochê no tempo livre e que já pensa em transformar o hobby em fonte de renda posteriormente. Mas dentre suas atribuições diárias, uma é a mais importante e representativa. Ela é mãe de Natália, de 34 anos, aluna da APAE Florianópolis, associação que atende alunos com deficiência intelectual, múltipla ou autismo.
Mônica integra a diretoria da APAE Florianópolis e leva a filha todas as manhãs para a associação.

A gerontologista conta que, como a maioria das mulheres de sua idade, cresceu em ambiente machista. Saiu de casa para morar sozinha aos 22 anos, o que foi visto com olhares de reprovação à época, e formou-se na faculdade, o que era um diferencial entre as mulheres na época.
Entre as frases opressoras que já ouviu, uma a marcou mais: “Quando você envelhecer não vai arranjar alguém que te queira”. Diante disso ela entendeu que o processo é ainda mais difícil para a mulher, que cresce imersa em uma pressão estética, como se a vida se resumisse a agradar parceiros e ter filhos.
“O preconceito é ainda pior porque as pessoas não aceitam o envelhecimento”, completa.
Entre os conselhos de Mônica para quem lida com as agruras provocadas pelo preconceito etário, está a busca pelo conhecimento. “Se quiser pintar o cabelo ou fazer plásticas, tudo bem. Tem que fazer o que quiser. Só que é preciso se aceitar. Olhar-se no espelho, se reconhecer e se aceitar”, completa ela, que nunca quis pintar os cabelos nem fazer cirurgias plásticas.
Representatividade na mídia
Assim como Ceres e Mônica trazem representatividade para mulheres de mais de 50 anos por meio das redes sociais, outras também levam a mesma mensagem para alcançá-las e incentivá-las. É o caso da influenciadora Vovó Izaura Delmi, de 80 anos, também de Florianópolis. Vaidosa e estilosa, ela compartilha seus looks no Instagram, que já têm mais de 230 mil seguidores.
Nos Estados Unidos, a influencer de 100 anos, Iris Apfel, mostra aos seus mais de 2 milhões de seguidores que a idade é só um detalhe. Empresária, designer e ícone da moda, ela adora exibir looks exuberantes.
Aos 91 anos, Nair Donadelli ganhou a fama no TikTok com a página “Vovós TikTobers”, ao gravar vídeos de humor com o falecido marido. Ativa e alegre, ensina ela mostra como deixar a vida mais leve. Seu perfil tem 3,4 milhões de seguidores.
Estrelas internacionais que se orgulham da própria idade
Renomada atriz e ativista, Jane Fonda, com 84 anos, mostra longevidade, elegância e boa forma. Adepta às atividades físicas e aos hábitos saudáveis, ela ite que recorreu a alguns recursos para rejuvener, porém, “sempre teve a intenção de ter uma aparência natural”.
Publicou em 2012 o livro “Jane Fonda: O Melhor Momento” e revelou que um dos motivos pelos quais escreveu foi para mostrar que não é assustador envelhecer. “Grande e boa época da vida é essa”, diz trecho do livro.
Ao lado da atriz Lily Tomlin, de 82 anos, ela é protagonista da série “Grace and Frankie”, que mostra as dores e as delícias do envelhecimento sem tabus.

Outras celebridades mostram longevidade e força do alto de sua experiência. É o caso da Rainha da Inglaterra, Elizabeth, de 95 anos, a governante mais velha em exercício. A rainha do pop Madonna, que aos 63 anos mantém a aparência jovem e não tem medo de ser quem é, também é inspiração. Mas, ainda assim, recebe críticas e é alvo de preconceitos por ter envelhecido.
Quem também já sofreu na pele o preconceito de idade é a atriz sa Brigitte Bardot, de 88 anos. Ela, que já foi considerada um dos maiores símbolos sexuais dos anos 1950 e 1960, optou por envelheceu de forma natural, deixou os fios brancos e aposentou-se aos 70 anos para dedicar-se aos animais. À época da decisão, argumentou que estava cansada de uma vida “superficial e vazia”. No entanto, ainda é vista com olhares negativos por não se encaixar em um padrão.

Processo de envelhecimento deve ser mais aceito
A psicóloga Ianka Marcele Silva Oliveira, que atua em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), comenta que o processo de envelhecimento precisa ser enxergado pela sociedade com outros olhos.
“Temos de parar com a infantilização do idoso e também com a ideia de que velhice é doença, incapacidade, fim da vida, como se o idoso valesse menos”, completa.
A psicóloga aponta que os idosos são vistos, principalmente, como inválidos e invisíveis, inativos sexualidade, sem desejos e necessidades. O assunto ainda é visto como um tabu.
E no caso das mulheres, que já crescem com a pressão estética, é ainda pior quando chegam aos 50 anos, ou à menopausa.
“A menopausa é como um marco para a mulher, ela percebe que está envelhecendo. Isso mexe com a autoestima, já que o corpo feminino ainda é visto como se tivesse prazo de validade”.
Por isso, ela sugere que as pessoas busquem conhecimento sobre o processo de envelhecimento, se abram para a aceitação e rompam com os preconceitos, estereótipos e a pressão estética.
“Envelhecer é um processo de vida, não é sinônimo de adoecer. E também não é igual para todo mundo. Por isso, é importante desmistificar o envelhecimento. É preciso entender o processo com respeito e igualdade”, completa.