A aparente praticidade em desembalar um alimento congelado, levar ao forno e servi-lo em seguida pode ser uma cilada para a saúde, se essa refeição se tornar um hábito. As inúmeras opções encontradas nas prateleiras e freezers dos supermercados vão de hambúrgueres, lasanhas, bolachas recheadas, refrigerantes e sucos e estão na classe dos ultraprocessados. Diferentemente dos processados, como o arroz e o feijão, por exemplo, os ultraprocessados têm um grande número de conservantes, açucares e gorduras modificadas. Um perigo para a saúde.
Esse tipo de alimento foi alvo do estudo “Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil”, envolvendo pesquisadores da Nupens, órgão integrado à Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), Unisp e Universidade de Santiago, no Chile, e apontou que aproximadamente 57 mil mortes por ano são resultantes do consumo de alimentos ultraprocessados.

“Os ultraprocessados são pobres em nutrientes e benefícios à saúde”, assegura a nutricionista do Centro Catarinense de Cardiologia Maria do Carmo de Lima Martim. “Um suco em caixa, por exemplo, tem no máximo 30% da fruta anunciada, o resto é ingestão de água, emulsificadores, conservantes entre outros. A combinação de vários químicos a nutrientes, como gorduras saturadas e trans, o açúcar e o sal em generosas porções, garantem a palatividade e a longevidade desses alimentos”, explica.
Ingredientes artificiais causam problemas intestinais e vasculares
Nutricionista da Unimed Grande Florianópolis, Bruna Camila da Silva Corrêa explica que a alimentação contribui para o bom desempenho do organismo ao longo do dia, para melhorar a qualidade do sono, além de ser uma estratégia para o gerenciamento do estresse e prevenção de doenças, como hipertensão, diabetes, distúrbios metabólicos, entre outras.
Esse é um dos grandes problemas de consumir ultraprocessados, a ingestão alta e frequente de aditivos alimentares. “Muitos desses têm sido associados com problemas de saúde, como, por exemplo, os corantes, relacionados a alergias alimentares e os conservantes, com excesso de sódio, que contribuem para o aumento da pressão arterial”, alerta. Alguns dos ingredientes desses alimentos são extremamente inflamatórios para o intestino e a saúde cardiovascular.
A obesidade é outro resultado da ingestão exagerada de alimentos industrializados. Bruna resume que a industrialização contribuiu para o aumento da disponibilidade desses produtos e que, de certa forma, ajudou a facilitar a rotina do dia a dia. Porém, para atender essa demanda, a indústria investiu no desenvolvimento de inúmeros ingredientes artificiais.
Como não é fácil se livrar de um hábito prazeroso, a nutricionista indica a participação em grupos com profissionais que abordam os cuidados com a alimentação. Na Unimed, por exemplo, há o Grupo Consciência Alimentar, que ajuda, de forma gratuita, os beneficiários do plano a conviverem com a alimentação de forma respeitosa, sem excessos, de modo a aproveitar as características nutricionais dos alimentos.
Sobrepeso impacta a vida sexual
A Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por telefone) feita pelo Ministério da Saúde mostrou um aumento progressivo no número de brasileiros acima do peso nos últimos anos. Cerca de 57% dos adultos apresentam algum grau de sobrepeso e 22% já apresentam IMC compatível com obesidade, em comparação aos 11,8% descritos em 2006. A pesquisa foi realizada no ano ado em todas as capitais do país.
“Esse aumento das taxas preocupa pelo risco que a obesidade proporciona no desenvolvimento de outras comorbidades, como diabetes mellitus, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares”, diz a médica endocrinologista e metabologista do Hospital Unimed Camila Sartor Spivakoski. “Sem contar o aumento das chances de desenvolvimento de alguns tipos de câncer e da prevalência de diabetes mellitus tipo 2, por exemplo, em pacientes cada vez mais jovens”, complementa.
Nos homens, esse ganho progressivo de peso pode impactar também na vida sexual do paciente, adverte a endocrinologista. “Isso acontece através da alteração do eixo hormonal desencadeado pelo acúmulo de gordura corporal, com consequente redução da produção testicular de testosterona. Nesse caso, o tratamento é, principalmente, focado no processo de perda de peso, para permitir que o corpo possa voltar naturalmente a produzir e liberar adequadamente esses hormônios”, detalha.
Ter foco é fundamental para mudança de hábitos
Dienefer Souza dos Santos, mãe de três filhos, um com 10 anos e gêmeos com dois anos, sabe o quanto é difícil manter uma boa alimentação. Entre as crianças e o trabalho – ela é proprietária de uma loja virtual de roupas para bebês –, principalmente depois da chegada dos gêmeos, ou a comer basicamente alimentos ultraprocessados e gorduras saturadas. “Como não tinha tempo para nada, acabava pedindo muita comida em fast food. Com isso, cheguei a pesar 93 quilos e, ao fazer exames de sangue, confirmei que estava tudo alterado”.
Como ela tem um histórico familiar de diabetes e problemas cardíacos, conta que ficou bem assustada e procurou não só um nutricionista, como também um personal trainer. “Fui radical, de uma hora para outra eliminei os alimentos ultraprocessados, o carboidrato e o açúcar da minha dieta e ei a praticar exercícios seis dias da semana. Emagreci sete quilos só no primeiro mês”, conta.
Hoje, aos 34 anos e com 52 quilos ela colhe os frutos de sua investida. “Perdi 40 quilos em um ano. ei do tamanho 48 de calça para o 34; deixei de tomar corticoides para a asma que, nunca mais tive, nem dores nas pernas, dificuldade em agachar, câimbras nas panturrilhas, enxaqueca e ronco. Tudo por conta do sobrepeso. Alcancei minha meta sem tomar nenhum remédio, nem para a depressão, nem para a ansiedade. Atualmente a única medicação que tomo é vitamina C”, comemora Dienefer, que continua fazendo acompanhamento regular com nutricionista e médico de esportes.
Dupla feijão com arroz é opção segura
Eduardo Nilson, coordenador do estudo “Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil”, diz que esse trabalho com foco nos ultraprocessados é inédito e deverá refletir nas políticas públicas brasileiras e até contribuir para as orientações alimentares de outros países. “Esse foi o primeiro estudo sobre alimentação com foco nos ultraprocessados e os dados colhidos, a exemplo da confirmação de que esses alimentos resultam, sim, na morte prevenível e prematura – aproximadamente 57 mil pessoas morrem por ano no Brasil por conta da ingestão desses alimentos –, atesta o quanto é perigoso trocar comida de verdade por produtos industrializados ultraprocessados”, observa.
O coordenador relata que o estudo focou na faixa etária de 30 a 69 anos, que abrange a população economicamente ativa do país. “A magnitude dos resultados reflete inclusive na economia brasileira, com o adoecimento de trabalhadores e a necessidade crescente de investimentos em saúde, entre outros tantos fatores”, reflete.
Esse contexto exige diversas iniciativas governamentais e uma reflexão por parte das grandes indústrias de alimentos e dos consumidores. “Não basta reduzir o sódio, as gorduras saturadas e trans e o açúcar dos produtos. Alguns corantes e outros aditivos alimentares, por exemplo, são possíveis responsáveis por muitos casos de câncer”, complementa.
“Precisamos resgatar o tradicional feijão com arroz que, cada vez mais, vem sendo substituídos por produtos, na maioria, pobres em nutrientes que, por conta de seus hiper sabores e preços baixos, levam as pessoas a comer ainda mais”, sugere.
O valor de uma refeição planejada
A nutricionista Bruna Camila da Silva Corrêa explica que uma alimentação saudável e equilibrada é aquela que fornece os nutrientes necessários para o bom funcionamento do nosso organismo, através dos carboidratos, proteínas, gorduras boas, fibras, vitaminas e minerais, encontrados na comida de verdade, ou seja, nos alimentos in natura ou minimamente processados.
“A boa alimentação é, necessariamente, balanceada. Quanto mais colorido for o prato, maior a variedade de nutrientes” complementa a nutricionista Maria do Carmo de Lima Martins. Mas, para chegar a isso, é preciso tempo e planejamento (para fazer as compras e cozinhar).
Como não cair na armadilha dos ultraprocessados
– Faça lista de compras, elas são fundamentais para organização. O melhor é comprar apenas o que será usado.
– Procure consumir alimentos da estação, além de mais em conta, o seu valor nutricional é maior. Dê preferência a feiras, os preços costumam ser mais íveis.
– Ao comprar alimentos nos mercados a principal orientação é observar a descrição desse produto e as informações presentes no rótulo.
– Lendo a lista de ingredientes você terá conhecimento de todos os ingredientes presentes no produto. Quanto menor for essa lista, e os ingredientes serem de seu conhecimento, melhor.
– O primeiro ingrediente contido na lista é o que está em maior quantidade naquele produto, saber isso nos ajuda a fazer melhores escolhas no supermercado.
– Planejar a refeição é outra iniciativa importante no corre-corre do dia a dia. Deixe previamente lavadas as folhas e, depois de muito bem secas, para que não queimem com a baixa temperatura da geladeira, guarde-as em um pote bem fechado. Dessa forma, eles podem durar até uma semana na geladeira.
– Outros alimentos, como os tubérculos e legumes podem ser previamente cozidos, entre três e cinco minutos, e depois congelados. Os bifes de carnes podem ser comprados devidamente fatiados e congelados em porções diárias.
Consulte o Guia da Alimentação para População Brasileira disponível em bvsms.saude.gov.br