A vereadora Maria Tereza Zanella Capra (PT-SC) de São Miguel do Oeste, no Extremo-Oeste de Santa Catarina, teve o mandato cassado pela Câmara Municipal por quebra de decoro parlamentar. A sessão extraordinária iniciou no fim da tarde da sexta-feira (3), durou mais de nove horas e encerrou após as 3h da madrugada deste sábado (4).

Os itens do relatório final da Comissão de Inquérito do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar que pediam a cassação da vereadora foram aprovados por 10 votos.
A Comissão de Inquérito foi criada para apurar denúncias recebidas contra a vereadora que citavam, em resumo, vídeo publicado por Maria Tereza Capra e a acusavam de ter utilizado sua rede social para “propagar notícias falsas e atribuir aos cidadãos de Santa Catarina e ao município de São Miguel do Oeste o crime de fazer saudação nazista e ser berço de célula neonazista”.
A denúncia ainda apurou condenação por prática de crime contra a lei de licitações, na época em que exercia a função de secretária municipal de Cultura. A Comissão foi composta por Carlos Roberto Agostini (MDB), Gilmar Baldissera (PP) e Ravier Centenaro (PSD).
Votaram favorável à cassação os vereadores Carlos Agostini (MDB), Elói Bortolotti (PSD), Gilmar Baldissera (PP), Moacir Fiorini (MDB), Nélvio Paludo (PSD), Paulo Drumm (PSD), Ravier Centenaro (PSD), Valnir Scharnoski (PL), Vilmar Bonora (PSD) e Vanirto Conrad (PDT). Somente Maria Tereza Capra votou contra, e Cris Zanatta (PSDB) não participou da sessão. A sessão foi presidida por Vagner os (sem partido), que votaria somente em caso de empate.
O plenário da Câmara estava lotado de apoiadores e membros do partido da vereadora, entre eles o deputado federal Pedro Uczai (PT) e a deputada estadual Luciane Carminatti.
Como tudo começou 64n9
Os ataques contra a parlamentar começaram após ela fazer críticas aos manifestantes que cantaram o Hino Nacional em frente à sede do 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado do Exército Brasileiro, em São Miguel do Oeste, durante atos antidemocráticos na manhã de quarta, dia 2 de novembro.
Tereza disse que os manifestantes cantaram o Hino Nacional com a mão estendida para frente, acima da linha do ombro, o que realmente aconteceu. No entanto, a vereadora pediu providências às autoridades por considerar que o gesto se tratava de uma suposta prática de crime de apologia ao nazismo, citando vários vídeos compartilhados na internet.

O caso chegou ao Ministério Público de Santa Catarina, que imediatamente abriu uma investigação, analisou imagens e conversou com testemunhas dos atos. O órgão avaliou que “não houve intenção, aparentemente, de realizar apologia ao nazismo, não havendo evidências de prática de crime”.
Em dezembro, a 40ª Promotoria de Justiça da Capital, concluiu, após análise aprofundada das provas e de estudos, que o gesto, na realidade, foi uma resposta dos manifestantes ao chamamento feito pelo orador que conduzia o ato para que todos erguessem a mão para emanar energias à frente (em direção à Bandeira nacional ou ao quartel do Exército). Esse gesto foi interpretado com um ritual culturalmente usado na região, relacionado à manifestação religiosa e juramentos.
Maria Tereza contou ao ND+ que ela e a família precisaram sair de São Miguel do Oeste, onde morava, pois estava sofrendo ameaças após a denúncia. A vereadora disse ainda que está impedida de exercer a atividade profissional como advogada em função da situação.
Defesa 5z5v5r
A defesa da vereadora argumentou sobre a suposta parcialidade do então presidente da Câmara, Vanirto Conrad, e de dois dos três membros da Comissão de Inquérito, Ravier Centenaro e Carlos Agostini. Apontou, ainda, supostas falhas e vícios do processo, como a inépcia das denúncias populares, em que as peças acusatórias não descrevem a quebra de decoro.
Também afirmou que a Comissão de Inquérito Parlamentar proferiu decisões “arbitrárias e contraditórias”, entre outras supostas falhas do processo e o cerceamento de defesa. Por fim, a defesa rebateu as questões de mérito.
A defesa pede a declaração de nulidade do procedimento ético disciplinar; a elaboração, pela Comissão de Inquérito Parlamentar, de parecer conclusivo pelo arquivamento do procedimento istrativo; que sejam julgados improcedentes os pedidos deduzidos nas representações, com a subsequente absolvição da vereadora, tendo em vista a não comprovação de prática de quebra de decoro parlamentar pela denunciada; e “na improvável hipótese de alguma procedência do presente procedimento, que não seja aplicada a penalidade de cassação do mandato”.
A vereadora ainda falou das ameaças que recebeu desde novembro, especialmente via redes sociais e citou que esse é seu terceiro mandato, e que aprendeu muito durante a vereança.

Em relação às denúncias, disse que nem tudo é o que parece; afirmou que não foi ela quem gravou o vídeo [que viralizou], mas que fez um comentário em outro vídeo, em seu Instagram com 1.800 seguidores, e que o vídeo ficou por cerca de uma hora no ar, pois o retirou após receber vários comentários.
Maria Tereza criticou a Câmara que fez uma moção de repúdio no dia 3 de novembro de 2022, sugerindo que em vez disso a Câmara poderia ter feito uma reunião para refletir sobre o simbolismo do gesto feito em frente ao quartel.
Seguindo a sustentação oral da defesa, o advogado Sérgio Graziano falou da lealdade na política. Ressaltou que o processo é de perseguição política, que não há nenhum fato jurídico, político ou social que justifique o pedido de cassação. Afirmou que em seus 31 anos de advocacia, em todas as suas defesas jamais viu tamanha injustiça. Disse que espera que a Câmara reconheça a exuberância e a honradez de Maria Tereza Capra.
Na sequência, Graziano focou sua fala na defesa da imunidade parlamentar. “Está na hora dessa Casa Legislativa mostrar que a imunidade parlamentar não é um privilégio da pessoa física, do parlamentar ou da parlamentar. Ela existe para proteger o pensamento, especialmente o pensamento das minorias”, argumentou.
Falou que todos os votos depositados nos vereadores têm o mesmo valor, que é a outorga que a população deu para os vereadores e para Maria Tereza Capra. Disse que os vereadores de São Miguel do Oeste querem relativizar o valor do voto.
O advogado explanou sobre as garantias existentes para os membros do Poder Judiciário, comparando com a imunidade parlamentar, garantia dos membros do Poder Legislativo, ressaltando que são garantias para a sociedade. “Só faz sentido um vereador ter imunidade se for para servir à coletividade, senão não faz sentido”, afirmou. O representante da defesa disse que quando os vereadores se elegem, suas manifestações e votos são imaculados, indefectíveis, e o que garante isso é a imunidade parlamentar.

Sérgio Graziano disse que compreende a indignação de parte da população ao ver o vídeo de Maria Tereza Capra, em que esta repudia um gesto, comparando-o ao gesto feito no nazismo, que representa o que de pior há na humanidade. Ele afirmou que no vídeo Maria não ofendeu nenhuma pessoa, não citou nenhuma pessoa, não fez nenhum movimento judicial para criminalizar qualquer um que estava naquelas manifestações.“Não é comum ouvir o Hino Nacional com a mão estendida daquela forma. Nem a força militar faz isso”, apontou.
“Quando a Maria Tereza Capra faz esse vídeo, já estava em curso a investigação promovida pelo Ministério Público, para saber se ali existia ou não um crime de incitação ao ódio, ou crime de atos antidemocráticos”, relembra.
O advogado citou moção de apelo aprovada nesta semana na Câmara, pedindo a veículos de imprensa que divulgassem o resultado da investigação do MP; ele afirmou que na moção os próprios vereadores entendem que não foi a partir do vídeo de Maria Tereza que São Miguel do Oeste ficou conhecida como “terra de nazistas”, ressaltando que o vídeo foi divulgado inclusive pela imprensa nacional. “Os senhores reconhecem que não foi Maria Tereza Capra quem fez a divulgação”, afirmou, novamente citando a moção.
Graziano disse que tem certeza de que as pessoas da manifestação não tiveram a intenção de fazer saudação nazista. E citou outros símbolos que não devem ser feitos, como o que representa “white power”, com gesto feito com as mãos, ou mesmo tomar copo de leite em público, símbolos de supremacistas brancos. E comparou com o braço com o gesto estendido que, afirmou, o mundo e até a imprensa local entenderam como um gesto nazista.
“Esses gestos, pelo seu simbolismo e representação histórica, devem ser evitados”, afirmou. Disse que não se pode responsabilizar Maria Tereza Capra por ver um gesto nazista naquela manifestação, quando todos interpretaram dessa forma até que houvesse a explicação por parte dos manifestantes.

Na sequência, o advogado falou sobre o outro fato presente na denúncia, sobre a condenação de Maria Tereza Capra por crime contra a lei de licitações. Ele destacou que esse crime foi eliminado na nova lei de licitações, por ser um erro formal no processo. “Esse fato deixou de ser crime, é simples”, afirmou, ao destacar que é “gigantesca” a chance de Maria Tereza Capra ser inocentada na justiça em relação a essa condenação.
Ao final, Graziano fez um apelo aos vereadores. Disse que a possível cassação de Capra macularia a imagem da Câmara, ao usar o “verniz da legalidade” para encobrir uma perseguição política. “Se essa Câmara tiver consciência, ela pode sair muito maior do que começou essa sessão de hoje”, afirmou. Ele pediu o arquivamento da denúncia e, se não for possível, que a pena seja a de advertência.