Há 60 anos morria Getúlio Vargas 283y69

Com um tiro no peito, o presidente mudou a história do país 2q6c6w

Há 60 anos, na manhã de 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas deu um tiro no peito, pondo fim à vida e a um dos períodos mais con­turbados da história política do país. Ele havia se recolhido ao seu quarto no Palácio do Cate­te, no Rio de Janeiro, após uma tensa reunião com a equipe ministerial que varou a noite e não conseguiu garantir a sustentação de que preci­sava para resistir às pressões que pediam sua renúncia. A principal acusação era de que ho­mens de confiança do caudilho estavam envolvi­dos no atentado contra o jornalista de oposição Carlos Lacerda, que resultou na morte do major Rubens Vaz, oficial da Aeronáutica que escolta­va o dono da “Tribuna da Imprensa”.

Divulgação

Charuto era companheiro inseparável do gaúcho que marcou a história política brasileira

 

Sair de cena pelo recurso do suicídio já havia sido uma alternativa cogitada por Getúlio outras vezes: em 1930, ano da deposição do presidente Washington Luís; em 1932, diante da ameaça­da da Revolução Constitucionalista; e em 1945, após ser deposto pelo alto comando do Exército. Em 1954, foi a maneira que o presidente encon­trou para cumprir a promessa de que só sairia do palácio morto – jamais entregaria o cargo aos que considerava “aves de rapina” que que­riam “continuar sugando o povo brasileiro”.

Contudo, aquele gesto extremado foi mais que um ato de desespero diante do cerco que se fechava: era a saída que combinava com o per­fil populista de Getúlio, que voltara nos braços do povo como senador e, em 1950, da mesma forma, como presidente da República. O desfe­cho trágico, como ele previra, jogou a população contra os opositores que queriam tirá-lo do po­der, postergando um golpe que só se concretiza­ria dez anos depois.

Mentor de avanços trabalhistas (CLT, férias, FGTS) e de investimentos importantes, entre eles a construção da refinaria de Volta Redonda (RJ), e ao mesmo tempo ditador que não hesi­tava em calar a oposição à força e deportar figu­ras como a militante comunista Olga Benário, morta num campo de concentração na Alema­nha nazista, Getúlio Vargas é uma figura con­troversa, idolatrada por muitos e detratada por outros tantos. Após seis décadas, seus rastros ainda podem ser encontrados em algumas prá­ticas políticas, em partidos que tentam seguir seu ideário e em direitos que outras nações só conquistaram com sangue e a perda de vidas.

A morte de Getúlio comoveu o país, e uma multidão acompanhou o cortejo na orla do Rio de Janeiro em direção ao aeroporto Santos Du­mont, de onde o corpo foi transladado para São Borja (RS), terra natal do caudilho. Aos 72 anos, seu enterro teve discursos de Tancredo Neves, ministro da Justiça, de Osvaldo Aranha e de João Goulart, jovem com futuro promissor que seria herdeiro de Vargas na política gaúcha.

Golpe adiado por uma década

O professor Clóvis Pires da Silva, do departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que a morte de Getúlio Vargas desnorteou a oposição e teve desdobramentos que se estenderam por pelo menos uma década, com o golpe de 1964. Antes disso, forças conservadoras e os militares já haviam tentado quebrar as regras constitucionais, em 1961, quando Jânio Quadros renunciou misteriosamente e o poder caiu nas mãos de João Goulart, herdeiro de Getúlio. Graças a Leonel Brizola, que comandou a “campanha da legalidade”, o golpe não foi concretizado, mas a pressão cresceu a ponto de torná-lo factível três anos depois.

“Getúlio enfrentou as oligarquias agrárias paulistas (depois de ter flertado com elas na República Velha, antes da Revolução de 1930), articulou com o movimento de tenentes que queria derrubá-lo, confrontou os integralistas e comunistas, queimou as bandeiras dos Estados e criou o PTB(Partido Trabalhista Brasileiro), mas não conseguiu se manter num contexto democrático como o dos anos 50”, afirma o professor Clóvis da Silva. “Por falta de traquejo para lidar com a oposição, havia criado o Estado Novo, que instaurou a ditadura entre 1937 e 1945. Já os direitos trabalhistas eram uma conquista muito grande, mas não refletiam a luta do operariado e sim um culto à personalidade do líder, nos moldes de Stalin, Franco e Hitler. Por isso o título de ‘pai dos pobres’ que recebeu”.

Momentos políticos distintos

Se, politicamente, um dos grandes legados de Getúlio Vargas foi a criação do voto secreto e do voto feminino, em 1932, enfraquecendo o poder dos coronéis, com a proximidade da guerra o governo tomou simpatias pelo regime do eixo nazista e ganhou ares totalitários. Nos anos 50, num cenário de imprensa livre e com o rádio difundindo ideias de todos os tipos, o governo do caudilho gaúcho ou a sofrer ataques aos quais não estava habituado nos 15 anos do primeiro governo, quando a DIP(Departamento de Imprensa e Propaganda) censurava qualquer manifestação contrária e se esmerava em dar publicidade aos atos do presidente.

Partido conservador, a UDN(União Democrática Nacional) surgiu para trazer de volta os tempos do “café com leite” (revezamento do comando da República por governadores de São Paulo e Minas Gerais). Tudo isso, mais as divisões dentro da própria equipe de Vargas, minaram irreversivelmente o seu governo.

Os últimos anos do caudilho

Às vésperas dos 60 aos de morte do cau­dilho, o jornalista Lira Neto lançou em São Paulo o livro “Getúlio – Da volta pela con­sagração popular ao suicídio (1945-1954)”, pela Companhia das Letras, última etapa de uma trilogia que começou em 2012 falando da gênese da carreira do político gaúcho. Nele, além do resultado de um trabalho que consumiu cinco anos de pesquisas, o jorna­lista acrescenta o que encontrou em rascu­nhos, esboços e folhas avulsas de um vo­lume de memórias de Alzira Vargas, filha de Getúlio, que nunca chegou a ser pu­blicado. O acervo inclui 1.652 páginas de correspondências entre o ex-presidente e a filha, que ajudam a entender sobretudo o período em que Vargas se isolou em São Borja, entre 1945 e 1950, costurando ali a sua volta ao Catete.

No estilo de grande reportagem, o livro é de leitura fácil, rico em informa­ções e episódios marcantes da vida do personagem central. E, como convém ao caráter do biografado, não ou incólu­me pelo crivo de leitores mais engajados. “Sou atacado por todos os lados: getulis­tas me acusam de udenismo, antigetulis­tas me acusam de favorecê-lo”, disse Lira Neto em uma entrevista.

A dramaticidade da narrativa aumenta na medida em que o livro se aproxima do fim, quando ocorre o atentado contra Car­los Lacerda na rua Toneleros, no Rio. Foi a gota d’água para a crise sem volta que en­redaria o governo e que terminaria em 24 de agosto, com o tiro no coração. Lacerda, desafeto de Getúlio Vargas, usou a “Tribu­na da Imprensa” para atacar com feroci­dade crescente o presidente da República, insinuando que partira deste a ordem para os disparos contra ele. E algumas evidên­cias foram se acumulando, envolvendo o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato, e o próprio irmão de Getúlio, Benjamim Vargas.

A carta-testamento – encerrada com a célebre frase “saio da vida para entrar na História” – não pôs fim às polêmicas e deba­tes acerca do ex-presidente. “Decorridos 60 anos da morte do chefe de governo que mais tempo ou à frente do poder republicano do país, sua figura histórica e legado conti­nuam a ser alvo de acirradas controvérsias”, escreveu Lira Neto no livro.

PDT, o herdeiro do varguismo

Os anos que se seguiram à morte de Vargas foram de instabilidade, mas quem se saiu melhor foi o PSD(Partido Social Democrático), que elegeu Juscelino Kubitscheck para a presidência, porém antes dele assumiram Café Filho (vice de Getúlio), Carlos Luz (que foi deposto pelo ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott) e o senador catarinense Nereu Ramos (que entregou a faixa, em 31 de janeiro de 1956, para JK). Para o professor Clóvis Pires da Silva, da UFSC, o PDT(Partido Democrático Trabalhista) seria hoje o herdeiro do varguismo e do discurso nacionalista, por estar um pouco mais à esquerda no quadro partidário brasileiro. De Getúlio, ficou a ideia da modernização econômica, com a criação da Petrobras, por exemplo, ao mesmo tempo em que ocorria o flerte com as oligarquias, os operários e o sindicalismo, então atrelados ao Estado.

Participe do grupo e receba as principais notícias
da Grande Florianópolis na palma da sua mão.
Entre no grupo Ao entrar você está ciente e de acordo com os
termos de uso e privacidade do WhatsApp.
+ Recomendados
+

Notícias 4e4g

Fábio Machado

Papo reto sobre a atual gestão do Avaí: apareçam, vocês também são os culpados 3mc1o

A culpa pelo acontece no Avaí, também a pelos apoiadores do projeto que tirou o Leão da Ilha da ...

Fábio Machado

Opinião: Léo Artur é a garantia de qualidade no Figueirense, mas peca por “sumir” nos jogos 4pn29

O ENIGMA LÉO ARTUR. O meia Léo Artur tem qualidades indiscutíveis no time do Figueirense, como domín ...

Fábio Machado

Opinião: Pelo jogo em si, empate do Avaí foi bom; pela tabela, o desespero só aumenta 5j3i63

EMPATE DO AVAÍ DIANTE CEARÁ. Se pela tabela do Campeonato Brasileiro da Série B o resultado não foi ...

Notícias

Reportagem revela venda de crânios e restos humanos no Facebook 2f6v1l

Revista Live Science se infiltrou por dez meses em grupos privados da rede social, que movimentavam ...