Se não fosse Andressa, aquela menina de 16 anos que veio de Seara, no Oeste do Estado, para rimar nas ruas de Florianópolis, MC Versa assegura que não chegaria onde chegou. Oito anos se aram e ela está aí, uma artista pronta, uma mulher vivaz, referência no rap no Sul do país e um dos nomes proeminentes na cena do hip hop feminino do país.
Agora ela está aí com seu quarto EP, intitulado “Gostosa & Brilhando”, que chega nesta sexta-feira às plataformas digitais da rapper catarinense e com um clipe em seu canal no YouTube. É um trabalho que aponta um novo caminho na carreira desta que é uma das mais interessantes e ativas figuras da nossa música.

Ouça “Gostasa & Brilhante”
Versa não é só “abusada”, ela é indispensável, imprescindível, uma artista gigante, sagaz e consciente.
Nesta entrevista, a rapper conversa sobre muitas questões: empoderamento, o feminismo, o início aos 16 anos, movimento estudantil, a relação com a arte e o profissionalismo, as lutas diárias de uma artista mulher “360”, ativista, educadora social, empresária e sobre as dores que precisam virar vitórias.
Versa veio, viu e venceu!
Pergunta – “Gostosa & Brilhando” terá sete faixas, sendo que pelo menos três já foram lançadas como single. Ainda tem algo reservado para surpreender o ouvinte quando ele abrir o álbum?
MC Versa – O álbum tem duas inéditas: “Jogando pro Alto”, que é a principal faixa do álbum e “Wanna Be Hype” que é uma faixa bônus, e também fizemos um interlúdio com áudios captados das meninas que fizeram parte das gravações dos videoclipes então ficou muito lindo e deu pra transmitir bem a mensagem do álbum.
Pergunta- Você já lançou outros três EPs, mas têm muitos singles. Sendo uma artista da geração digital qual a importância que você vê em um álbum e como esse formato se difere do single na percepção do público que te ouve?
Versa – Lançar um álbum é um o importante na carreira de todo o artista e significa um o muito importante profissionalmente. Um álbum é um marco na carreira de todo artista, significa que ele está maduro o suficiente para oferecer ao mercado um produto coeso mostrando sua sonoridade e autenticidade. Faz o trabalho do artista ser visto com mais seriedade. É um degrau importante.
Pergunta – Cada trabalho seu expressa uma fase da sua maturidade. Quando você lançou “Versos Expostos” você era muito jovem, mas já se mostrava muito à vontade para tratar das questões relacionada as experiências e lutas de uma mulher. Quem é a Versa agora de “Gostosa & Brilhando”? E o que ela tem a dizer?
Versa – As minhas músicas sempre retratam muito a minha fase pessoal, o que eu estou ando. Então dá para perceber o meu amadurecimento conforme eu vou lançando novos trabalhos. Quando eu comecei eu queria mudar o mundo com as minhas palavras. Eu falava muito sobre o feminismo, a luta das mulheres e especialmente as violências pelas quais a gente a. No meu segundo EP (“A confusão das transformações inesperadas”, de 2020) eu trago mais reflexões internas, porque eu entendi que para mudar o mundo a gente precisa mudar muitas coisas dentro da gente. Então, “A confusão das transformações inesperadas” fala muito sobre esses dilemas pessoais, de dentro, sobre depressão, ansiedade, cobranças e questões comigo mesma.
“Plano Perfeito” (terceiro EP lançado em 2022) já vem com essa sede de eu conquistar o meu espaço, construir meu nome, falando sobre as etapas da minha trajetória.
Agora, em “Gosta & Brilhando”, eu quero fazer músicas para as garotas se divertirem. Eu estou numa fase de acreditar muito na “lei da atração”, de que a gente atrai aquilo que mentalizamos. Nós mulheres não devemos nos resumir às nossas dores e cicatrizes. Esse álbum é uma celebração! Para que as garotas escutem, celebrem e se divirtam. É para tocar nas pistas, enquanto você está se produzindo, para falar sobre os nossos momentos de auge,de ostentação, de felicidade, de comunhão entre nós mesmas.
É um álbum focado 100% na mulher que é autônoma, dona de si, que se diverte, que cuida da sua saúde. Eu quero falar sobre as conquistas das mulheres.

Pergunta – O que você planejou para este álbum em termos de alcance de mercado?
Versa – Faz um ano que estou trabalhando nesse álbum e ele é uma peça importante para me posicionar no cenário do rap nacional, com o peso e a originalidade que meu trabalho tem. Quero poder continuar sendo inspiração para as pessoas que vêm de onde eu vim e conquistar cada vez mais espaços e reconhecimento pelo meu trabalho. Aprovamos cinco videoclipes na TVZ e na MTV, lugar que poucos artistas catarinenses puderam chegar, trouxe as meninas do Sul comigo em diversos “feats” (“participações”) buscando trazer mais atenção para o trabalho que viemos construindo no rap feminino do Sul. O álbum está com uma qualidade impecável em todos os quesitos de entrega, mixagem, masterização, assessoria, marketing, coisas que não tinha conseguido chegar ainda em nenhum outro trabalho. Então, com certeza ele me fez subir degraus em questão de profissionalismo.
Pergunta – Do título do álbum até as rimas de cada música você traz ironia, deboche, sarcasmo e muito empoderamento e autoestima. Canta vitória e debocha da misoginia. Como mulher você considera que a presença feminina no rap conquistou sua plenitude ou ainda está longe?
Versa – Acredito que, enquanto a sociedade como um todo não funcionar de forma igualitária, isso será refletido nos espaços e no hip hop e na indústria da música não é diferente. Acho que o rap feminino tem vivido um momento de ascensão muito importante, coisa que os Estados Unidos viveram nos anos 2000, o que não muda o fato da a cena ainda abraçar muitos artistas que agredirem mulheres, discursos misóginos, ideias tortas e que am batido. Não tem como ter plenitude numa cena repleta de violências que nos atravessam de todos os lados. O que temos é uma geração de mulheres muito talentosas e inteligentes emocionalmente para conseguir galgar seu espaço da forma como está sendo feito, sem se deixar abater por essa realidade que ainda vai demorar muito para mudar porque depende não só de nós, mas principalmente do público.
Confira “Jogando pro alto!”, novo clipe da MC Versa 4q6460
Pergunta – Gostaria que você falasse um pouco sobre as participações e parcerias que estão neste novo álbum. Colabs são muito comuns hoje, mas para este trabalho me parece que há você escolheu muito consciente quem iria chamar ou estou enganado?
Versa – Os produtores somaram comigo de forma muito orgânica. Eu faço muitas colaborações e só fui encaixando as que faziam sentido com o álbum. Já os “feats”, eu pensei bastante no que eu queria transmitir e principalmente em artistas que eu acredito, que me inspiram e que eu acho que merecerem ter o seu trabalho reconhecido. Cada uma é um símbolo muito forte da luta que trava e isso é muito inspirador para mim.
Pergunta – Como você criou essa sua rede de conexões com tantos artistas pelo Brasil, vindos de realidades e comunidades diferentes?
Versa – Eu vejo o hip hop, por ser um movimento, como se fosse uma grande família. Eu viajo desde muito nova para rimar. Quando eu comecei as mulheres não tinham muito destaque na cena, então eu recebi muitos convites para rimar fora do Estado. Eu sempre fui porque eu tinha certeza de que onde existisse o rap eu iria ter uma casa, alguém que me acolhesse, não iria ar fome nem necessidades. Onde tiver o rap eu sei que estou em casa.
Por isso o hip hop para mim é um grande movimento que facilita ao artista fazer essas conexões com artistas de vários lugares e realidades e eu sempre gostei de me conectar com outras pessoas. Conhecer os trabalhos de outros artistas, poder conhecer os seus ambientes, entender o que os levou a virarem os artistas que são.
Além do fato também de eu ser do movimento estudantil o que me levava a viajar bastante também. Foi outro período da minha vida que me proporcionou conexões que eu carrego até hoje e que me fazer chegar em muitas pessoas até hoje. Eu vejo isso como um ecossistema ideal para o artista independente se desenvolver, onde todos se conectam e buscam as melhores oportunidades para se fortalecerem.

Pergunta – O que é uma artista 360?
Versa – É um artista que sabe gerir sua carreira de forma independente. Ele aprende a fazer tudo para conseguir se virar e consegue sustentar isso. Aprende sobre mercado, sobre gestão de carreira, sobre distribuição das suas músicas, marketing, posicionamento, ele conhece cada etapa que a sua música a até chegar no público e utiliza esse conhecimento de forma estratégica para alcançar cada vez mais pessoas.
Pergunta – Como funciona para você esse processo de autogestão de carreira? Você praticamente faz todos os “corres” do teu trabalho, além de atuar em outras frentes de negócios.
Versa – Para mim isso é muito instintivo porque eu sempre fui uma pessoa muito prática e que gosta de estar em movimento. Participar da organização da Batalha das Minas foi algo que me ensinou muito e me deu conhecimento e experiência em produção cultural, me tornando uma executora. Quando comecei, eu nem pensava muito, só ia lá e fazia. Com o tempo eu fui conhecendo pessoas que me trouxeram mais conhecimento e novas perspectivas, como o Gui Coutinho (advogado) que me ensinou sobre direito autoral, a Patrícia Vaz que me ensinou tudo que eu sei sobre marketing e aí eu comecei a aplicar mais estratégia nas coisas que eu já fazia e ter um olhar de negócios. Hoje eu trabalho com uma equipe que conta com pelo menos quatro profissionais porque chega um momento que não dá para dar conta de tudo sozinho, principalmente no operacional, mas a estratégia ainda é por minha conta.
Pergunta – Quando você conquistou o Prêmio Profissionais da Música a sua primeira manifestação foi em agradecimento às mulheres que ajudaram a abrir os caminhos para vocês. Quais artistas e mulheres te influenciaram e influenciam até hoje?
Versa – Minhas maiores referências são as mulheres que eu acompanho diariamente a correria e que não desistem de mostrar para o mundo a sua arte: a MC Clandestina, a mana Moa MC, Babi Oliver, Amazona, Preta Keity, que infelizmente não está entre nós, e Janaína Palavra Feminina que foi uma das primeiras rappers de Santa Catarina. As minas do rap nacional me inspiram muito também, como Dina Di, Cris SNJ, Negra Li, Flora Matos, Rap Plus Size. Por causa delas eu faço o que eu faço hoje, porque um dia eu achei um cd de rap feminino do Mulheriu Clã perdido no meio do 4shared e me identifiquei com cada palavra que tinha nele.
Pergunta – Olhando para aquela menina de 16 anos, vinda de Seara para Floripa, e que começava a rimar e encarar as batalhas, o que a Versa de hoje teria a dizer?
Versa – Que você é a única coisa que pode te parar e te impedir de alcançar o que você quer. Que nada e ninguém pode dizer que algo é muito grande para você, muito longe para você. É acreditar na sua intuição e naquilo que você ama, porque eu não tinha noção do que eu estava fazendo. Eu não era a pessoa mais talentosa, mas eu tinha muita força de vontade e acreditava que isso tudo iria fazer a diferença um dia. E hoje estou aqui. Estar em movimento por causa das coisas que eu amo foi o quem me trouxe até aqui. Eu tenho muito orgulho e tenho certeza de que aquela Andressa também está muito orgulhosa. De todas as vezes que eu duvidei de mim eu agradeço muito ela de não ter cedido e não ter desistido.