Fazia tempo que Nei Almeida, de 49 anos, não via as vendas de LP indo tão bem. Nos dez anos em que trabalha com discos de vinil em ville, no Norte de Santa Catarina, esta é a primeira vez que percebe os jovens como clientes relevantes (de fato) para o faturamento da loja.

Nei é proprietário da Zeppelin Vinil, que abriga um acervo de mais de 7 mil LPs bem no Centro da cidade. Embora a loja física tenha sido inaugurada só em agosto de 2019, o empresário está no ramo há uma década – tempo suficiente para perceber mudanças no comportamento e perfil dos consumidores.
A clientela agora é diferente dos anos anteriores: metade dela composta por pessoas com menos de 30 anos. “E não é só pessoal de 20 e poucos anos, mas adolescentes também”, comenta. “Sem dúvidas eles são uns dos responsáveis pela retomada das vendas”, completa Nei.
Geração Z deixou os millenials para trás 3i3v2a
O movimento vai ao encontro de um estudo feito nos Estados Unidos pela empresa MRC Data, que revelou que a geração Z – nascida entre 1995 e 2010 – consumiu mais discos de vinil em 2020 do que os millennials, grupo que veio logo antes (1980 – 1994).
No Brasil não há pesquisas recentes com esta análise, mas a experiência de Nei dá um tira-gosto de como o movimento pode ser parecido por aqui. Ele reflete que o interesse dos jovens pelos LPs cresceu na pandemia. “É bem curioso, mas quanto mais restrição tivemos nesse período, mais nós vendemos vinil”, crava.

Um mercado de altos e baixos 1x251y
Foi lá em 1951 que o primeiro LP deu as caras no Brasil. “Carnaval”, uma coletânea de marchinhas da festa mais tradicional do país, trouxe novidades ao mercado fonográfico destas terras.
O público era e a novidade desafiou a hegemonia do formato anterior, feito de goma-laca. A qualidade sonora dos vinis, no entanto, ficou logo indiscutível: em 1958 já eram os queridinhos do público.

Aos poucos o ato de ouvir música se tornou uma espécie de evento ritualístico, muito mais do que conhecer bandas e artistas. Envolvia ligar o toca-discos, irar o encarte e apreciar o chiado elegante das agulhas.
Os “bolachões” dominaram o mercado até a segunda metade dos anos 1990, quando o CD – lançado anos antes – se consolidou no país como uma novidade altamente tecnológica, prática e compacta.
Nos anos 2000, os serviços de streaming de áudio trouxeram novas facilidades aos ouvintes. Ironicamente os “bolachões” voltaram a fazer moda no país nos últimos anos. Já os discos compactos não parecem ter resistido da mesma forma à ascensão digital.
Os jovens querem antiguidades 42162a
Aos 23 anos, o produtor audiovisual Lucas Mendes faz parte da geração Z. Ele exibe orgulhoso a coleção de cerca de 100 discos de vinil em sua casa em ville. Lucas é um dos consumidores responsáveis pelo resgate dos discos no Estado.
O jovem entrou no mundo das vitrolas e agulhas durante a pandemia e já se considera um colecionador. Nos meses de maior fartura são cerca de cinco novos exemplares adquiridos.
Inicialmente influenciado pela namorada, Giovana Cristina Rodrigues, de 20 anos, hoje ele afirma (em tom de competição despretensiosa) que tem mais discos que a companheira. “Só raridades, só os caros”, assegura. “Eu dou prioridade para os novos lacrados e não tem por menos de R$ 300”, expõe, esbanjando o gosto refinado e às vezes difícil de ser sustentado.

Com seus fones modernos e cada vez menores, os serviços de streaming têm sucesso consolidado. Mas Lucas justifica que os LPs proporcionam experiências sonoras que as novas tecnologias não dão conta – e disso ele não larga mais mão.
“A qualidade de áudio é incomparavelmente melhor quando se tem caixa de som boa”, explica. “Para o público geral o streaming acaba sendo mais prático, mas existe um fator colecionista muito forte também”, completa.
Legado do avô 2t4iu
Foi Giovana, namorada de Lucas, que mostrou que vinil é feito para ser apreciado. Hoje ela carrega consigo o orgulho do dever cumprido. “Eu que o ensinei a colocar disco no toca-discos”, sorri a publicitária.
O gosto veio ainda na infância, transmitido pelo avô – detentor de uma coleção surpreendente de cerca de 40 mil discos de vinil. Tudo fica armazenado e exposto nas prateleiras de casa, onde os dois moram juntos, também em ville.
“Quando eu era criança ele foi me mostrando os grandes artistas. Ele conhece muito a história deles”, conta. “Sempre me obrigou a sentar do lado dele e escutar até as músicas ruins”, revela. DJ em épocas adas, o avô de Giovana costumava animar as noites da cidade com músicas de tudo quanto é tipo.

Embora aproveite a coleção grandiosa do avô, há cerca de três anos a jovem participa de feiras e frequenta sebos para adquirir seus próprios exemplares preferidos. Ela curte do rock ao country.
Entre os artistas preferidos estão bandas que fizeram história entre as décadas de 1950 e 1990. “Eu amo Johnny Cash”, declara.
Viciada no som da agulha em atrito com o plástico, Giovana só consome serviços de streaming porque não pode levar um toca-discos para o trabalho. “Gosto da experiência do vinil, é um momento de apreciação”, detalha.
O pop também tem vez 1h65y
Camilla Cabello, Adele, Taylor Swift e Lady Gaga. Todas essas artistas fazem parte da coleção do jornalista e analista de marketing digital Fernando Perosa, de 23 anos. Ele mostra como o mercado dos vinis também guarda espaço para a música pop contemporânea.

Morador de Florianópolis, Fernando já tinha o hábito de comprar CDs de seus artistas preferidos, mas no começo de 2020 definiu que abriria oportunidades para desbravamentos musicais. “Decidi que ia comprar o álbum favorito de cada artista em LP”, comenta.
“Depois que comprei o primeiro disco não parei mais. Tem toda aquela experiência, ouvir o chiadinho da agulha, virar o disco… Eu adoro!”, complementa.
O investimento, no entanto, é uma questão a ser considerada. Seus LPs custaram entre R$ 120 e R$ 390.
“Fora o preço do toca discos e da caixinha de som, o valor dos discos é caro e, no meu caso, que compro discos internacionais, ainda tem o valor do dólar, taxa de importação”, explica. Fernando costuma comprar em sites que revendem produtos de fora.
No Brasil é o fator raridade que costuma elevar os preços. Uma pesquisa rápida na internet mostra que exemplares de Tim Maia, Cartola e Belchior são encontrados por mais de R$ 150.
Já o vinil mais raro do país, “Paêbirú”, chega a R$ 10 mil. Isso porque apenas 300 exemplares originais foram produzidos desde o lançamento, em 1975. A iguaria que revela o melhor do rock psicodélico nordestino de Lula Côrtes e Zé Ramalho é, definitivamente, para poucos privilegiados.
Movimento paradoxal 4w5x52
Enquanto Fernando ouve lançamentos nas clássicas vitrolas, uma geração de internautas parece fazer o caminho inverso. Paradoxalmente, muitos têm resgatado no Tiktok (rede social preferida dos não-cringe) músicas que fizeram sucesso na juventude dos pais e avós.

Um exemplo é a batida elétrica de ‘It’s Trick’, sucesso do hip-hop em 1987 que virou trend e viralizou na rede social no final de 2020, com grupos de jovens dançando sem muita sincronia.
Outra composição que começou a aparecer no feed dos tiktokers é ‘Just the Two of Us’, lançada em 1980 por Grover Washigton e Bill Withers. Nos vídeos tem de tudo: gente cantando, compilado de fotos de casais, gravações caseiras de cachorros e gatos fazendo peripécias.
@virginiafonseca KAKAK mt bom! Manu, mãe, tomtom e rodolpho ❤️
Mas no aplicativo também aparecem pessoas que, na engenhosidade dos 20 e poucos anos, se dedicam a mostrar e falar sobre suas coleções de LPs.
Mantendo um jeito dinâmico, Caio Cesar Souza, o @caiocomb, é um dos usuários que mostra seu acervo de um jeito socialmente aceito pela geração Z – que já nasceu conhecendo a agilidade das plataformas digitais.
Entrando nas trends, ele responde a perguntas simples como “qual o último álbum que você quer ouvir antes de morrer?”, “qual álbum você considera que é mais do que perfeito?” e “qual exemplar te ajudou a ar por um período difícil?”. Tudo isso sem dizer uma palavra. A grande sacada é deixar as imagens falarem por si.
@caiocomb Extra Extra Extra Dificult #thebeatles #bobmarley #brunomars #theclash #stickyfingers #thewho #paulmccartney #vinil #vinyl #collection #challenge
Resgatar não é de hoje (mas pandemia impulsionou) 3l1k3u
O resgate de antigas tendências costuma fazer parte do processo de crescimento dos jovens. É o que explica a psicanalista Maíra Marchi Gomes.
“Quando nós escutamos algo da nossa história, dos nossos familiares, nós ficamos sabendo deles e também de nós”, afirma. “Nós temos uma necessidade e isso fica mais forte na adolescência, de nos incluirmos na nossa história”, complementa.
Na pandemia, no entanto, a questão abriga contornos mais peculiares. Conviver com uma doença que apesar da vacina ainda não foi controlada no mundo – e que só no Brasil matou mais de 600 mil pessoas – torna difícil o hábito de planejar um futuro, movimento tão importante para os jovens.
É neste cenário que a geração Z busca a segurança de uma trajetória conhecida, “diferente de estar mergulhado neste momento atual”, detalha a psicanalista. Neste caso, o resgate de costumes dos pais e avós. Às vezes com vitrolas e vinis.
“A juventude é uma fase de ‘não lugar’, então é angustiante quando se tira o futuro do jovem. Ele está apostando no que vem depois, na vida adulta. É como se o momento que ele a não fosse terminar”, completa.
Para além da necessidade de refúgio da pandemia, muitas pessoas ficaram mais perto da família durante os primeiros meses de isolamento social. “Você acaba convivendo mais com a geração anterior”, diz Maíra. Os mundos, assim, se conectam mais facilmente. Querendo ou não.