O Ministério Público ajuizou nos últimos dois meses cinco ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) contra as alterações sancionadas no fim de janeiro pelo governador Carlos Moisés (Republicanos) no Código Ambiental de Santa Catarina.
Para o órgão, as mudanças fragilizam a legislação, promovem retrocesso ambiental e contrariam normas federais, a exemplo do Código Florestal, resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e a Lei da Mata Atlântica. As ações tramitam agora na Justiça.

Cada uma das cinco ADIs mira um aspecto no texto aprovado. São eles: a facilitação do licenciamento ambiental, redução do poder da PMA (Polícia Militar Ambiental), normas para a conservar araucárias, flexibilização no desmate da Mata Atlântica e dispensa de permissões para o uso de recursos hídricos.
O governo de Santa Catarina informou o ND+ que “vai aguardar a análise de todas as ADIs pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado), para então se manifestar”.
Cinco ações 6d6g48
Em linhas gerais, sobre as regras de desmate, o órgão aponta que o novo código ambiental amplia as áreas íveis e facilita o desmate da Mata Atlântica ao dificultar que a vegetação seja devidamente analisada pelos órgãos ambientais. Também abre brecha para a prática ilegal do desmatamento com a contrapartida da compensação ambiental.
O procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, que assina as ADIs, salienta a facilitação para obter o licenciamento ambiental, documento que permite realizar atividades de impacto ao meio ambiente. O principal motivo é a criação do licenciamento por compromisso, documento que funciona como autodeclaração e pode ser obtido pela internet.
Também é apontado como inconstitucional por Brandão a retirada do “poder de multa” dos policiais militares ambientais. As mudanças permitem que a corporação apenas aplique notificações de fiscalização, que devem ser apurados posteriormente pelos órgãos ambientais. A competência de autuar estaria resguardada por normas federais.
Por fim, é alvo dos processos o “Projeto Conservacionista da Araucária” e a dispensa de outorga e apresentação de análise de água o proprietário ou possuidor que tenha poço raso ou cavado. A primeira mudança quer “incentivar a criação de cooperativas dedicadas à exploração de comercial da araucária” o que é “expressamente vedado pela legislação federal acima elencada”, segundo o procurador.
“Vícios de inconstitucionalidade” 2o4o32
A principal inconstitucionalidade das mudanças apontada pelo MPSC é o fato das leis estaduais serem menos restritivas do que as federais. Estas últimas são como ‘molduras’ que devem ser preenchidas pelos Estados, aperfeiçoando a lei federal à realidade local, defende Brandão. Para o promotor é como se o Estado tivesse extrapolado a moldura.
“Em matéria ambiental, as normas suplementares editadas nos âmbitos estaduais e municipais não podem ser menos protetivas ao meio ambiente do que as normas gerais editadas pela União. Ou seja, a legislação suplementar não pode descaracterizar as normas federais permitindo que haja maior intervenção de atividades e empreendimentos potencialmente causadores de degradação ao meio ambiente. “, afirma.
Duas das cinco ações aguardam análise do pedido pelo Órgão Especial do TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina). Outras duas manifestação de Moisés Estado e do Presidente da Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina). A última foi ajuizada nesta sexta (26) e depende de distribuição.
Confira abaixo o detalhamento de algumas das ações
Mudança de artigo ‘fragiliza’ regras para desmate 6g1g3j
A primeira das cinco ações trata sobre as normas para desmatar: corte de vegetação, árvores, compensação ambiental, espécies exóticas, entre outros. Para o promotor, a alteração feita do primeiro inciso do artigo 38 impediria os órgãos ambientais de identificar a vegetação removida.
Na versão anterior, o empreendedor que precisava de licenciamento, ao realizar a construção de um condomínio, por exemplo, era obrigado a apresentar o pedido de AuC (Autorização de Corte) na fase preliminar de planejamento. O documento, antigamente, deveria apresentado junto ao LAP (Licença Ambiental Prévia): primeiro ofício apresentado, necessário para atestar a viabilidade ambiental do planejamento.
A alteração sancionada por Moisés remove essa etapa. “No caso de atividades sujeitas ao licenciamento, o pedido […] será analisado somente na etapa da instalação do empreendimento e não na fase preliminar de planejamento”, justifica o procurador. Ou seja, o pedido de desmate é feito no momento que a LAI (Licença Ambiental de Instalação) é concedida
“A análise do pedido de corte somente na etapa da LAI permite que, na fase de expedição de licença ambiental prévia, que diz respeito ao planejamento do empreendimento, não haja análise do tipo de vegetação existente no local”, ressalta o procurador. Isso possibilitaria “desmatamento de vegetação da Floresta Mata Atlântica fora das hipóteses autorizadas pela LBMA e sem a análise prévia de suas caraterísticas e etapa de regeneração”.
Área desmatada pode ser maior
O novo Código Ambiental também define categorias referentes aos diferentes estágios de regeneração da vegetação secundária da Mata Atlântica. Entretanto essas tipificação já eram dadas pela legislação federal, como por meio de resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
“A norma contida no Código Estadual do Meio Ambiente é menos protetiva do que aquela prevista [legislação federal] pois altera os parâmetros de definição dos diferentes estágios de regeneração da vegetação secundária”, afirma o promotor. A alteração permite que “uma área maior seja enquadrada no estágio inicial, no qual a supressão pode ser autorizada”.
Compensação como contrapartida do desmate ilegal 1s406l
O procurador também questiona as mudanças no artigo 57 do Código Ambiental Estadual, que trata da compensação ambiental – mecanismo para compensar impactos ambientais provocados por empreendimentos devidamente licenciados.
Para o procurador, a alteração realizada pelo governo de Santa Catarina permitiria que o dispositivo fosse utilizada para compensar o desmatamento ilegal. Além disso, permitiria que a área beneficiada pela compensação seja diferente da região desmatada.
“[A alteração] conflita com a norma geral editada pela União, pois estabelece a possibilidade de compensação ambiental no caso de supressão ilegal da vegetação, o que não é autorizado pela legislação federal”, ressalta Brandão.
‘Autodeclaração’ 6w3a72
Principal exemplo da flexibilização do licenciamento é a instituição da LAC (licenciamento ambiental por compromisso), novidade no Código Ambiental. Realizada por internet, ela “configura uma espécie de autodeclaração”, caracteriza Brandão, que também é coordenador do (Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade).
“A LAC será concedida eletronicamente, para atividades que sejam enquadradas, cumulativamente, como de pequeno ou médio porte e de pequeno ou médio potencial poluidor degradador, assim definidos pelo CONSEMA, segundo os critérios e pré-condições estabelecidos pela autoridade licenciadora, mediante declaração de compromisso do empreendedor”, define a lei.
Assim por meio dessa modalidade é possível licenciar, segundo o procurador, complexos turísticos de lazer, como parques temáticos e autódromos com área de até 200.000 m2; retificar cursos d’agua de até 5 mil metros; frigoríficos para o abate de 150 mil animais de pequeno porte por dia; entre outros.
Espécies invasoras 3e4733
Responsabilização “atenuada”
As alterações também seriam mais permissivas com proprietários de terra que convivam com espécies invasoras. Com a nova legislação, eles deixam de ser totalmente responsáveis em caso de invasão das espécies para fora das áreas de cultivo. Eles só seriam punidos caso não cumpram “medidas contidas no programa de controle de espécies exóticas invasoras”.
De acordo com o promotor, a mudança afronta a norma geral por danos ecológicos acolhida pelo ordenamento jurídico nacional “segundo a qual basta a ocorrência do dano e a presença de nexo causal para a caracterização da responsabilidade do infrator e imposição da obrigação de reparação”, destaca.
A norma estadual “não pode transgredir as regras contidas na legislação de regência do tema, mormente porque o dispositivo impugnado é menos protetivo do que a norma geral”, conclui.]