O Norte de Santa Catarina possui o maior número de municípios investigados pela Operação Mensageiro. Em cidades da região, a relação com a empresa Serrana, que oferece serviços de saneamento e coleta de lixo, ultraa mais de uma década de gestões em prefeituras. O número de prefeituras na mira do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) é o dobro das investigadas na região Sul do Estado pela operação.
Conforme documento da investigação do MPSC obtido pelo Grupo ND, ao menos 10 municípios têm registro de contratos duradouros com a empresa, suspeita de estabelecer um esquema de propinas em troca de vantagens em licitações. Uma destas contratações, ainda ativa, tem duração prevista de 30 anos e valor total de R$ 440 milhões (veja mais abaixo).

A região Norte é também onde fica localizada a sede da Serrana, em ville. No entanto, o MPSC não identificou nenhuma atividade suspeita entre a empresa e a prefeitura do município.
A investigação cita ainda que a empresa venceu 72 dos 95 certames que participou de 2017 a 2021 em Santa Catarina — uma taxa de 75% em vitórias nas licitações.
Segundo o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), apenas nos municípios do Norte com relações longas com a empresa, a Serrana faturou a menos R$ 121 milhões em dinheiro público.
Itapoá: contrato de quase meio bilhão de reais 384g13
O município de Itapoá tem relação comercial com a Serrana desde 2011, com contratos para serviços de destinação de lixo e saneamento, aponta a investigação. O MPSC registrou movimentações e, com base nisso, conclui-se que Itapoá pagou à Serrana ao menos R$ 12,9 milhões em 10 anos.
O processo detalha ainda que, em 2012, a empresa investigada conquistou um contrato milionário e duradouro. A concessão garantiu à Itapoá Saneamento, empresa comandada pela Serrana, 30 anos de serviços à prefeitura, de 2012 a 2042, pelo valor de R$ 440 milhões. Conforme o site da Prefeitura de Itapoá, a concessão segue ativa.
A investigação do MPSC não revela as condições de pagamento desta concessão e valores recebidos pela Serrana.
Procurada pela reportagem do Grupo ND, a Serrana não se manifestou.

O prefeito de Itapoá, Marlon Neuber, é um dos presos pela Operação Mensageiro. Segundo o MPSC, ele e outros servidores da prefeitura são suspeitos de participar do esquema de corrupção e ter contato regular com o mensageiro, funcionário da Serrana responsável pelo pagamento das propinas. A prefeitura do município não comenta o caso.
No último dia 16, a Câmara de Vereadores da cidade, que tem uma I em andamento sobre os contratos com a Serrana, aceitou o pedido de afastamento solicitado pelo próprio Neuber. A medida garante que o prefeito, mesmo preso, não perca o mandato. A defesa do prefeito afirmou que não vai se manifestar sobre o caso.
Guaramirim: R$ 39,9 milhões em 12 anos de contratos 344r1g
A cidade com o maior pagamento feito à Serrana na região, de acordo com registros do MPSC, é Guaramirim. Segundo o Gaeco, o município pagou cerca de R$ 39,9 milhões para a empresa investigada entre 2010 e 2022.
O período de 12 anos de relacionamento é o maior entre as cidades do Norte na investigação, observado também no município de Major Vieira.
No início de março, o prefeito do município, Luis Antonio Chiodini, teve um habeas corpus preventivo negado pela Justiça. A defesa tentou se antecipar a novos desdobramentos da Operação Mensageiro e pediu que o gestor fosse ouvido antes de uma possível prisão.
A Prefeitura de Guaramirim afirmou que os contratos com a Serrana estão próximo do vencimento. Novas licitações estão em andamento, e a coleta de resíduos já tem empresa definida a partir de 1º de maio, o Consórcio Intermunicipal de Gestão Pública do Vale do Itapocu (Cigamvali).
O monopólio nas licitações na região Norte t2611
Uma das características do esquema de corrupção, segundo o Ministério Público, seria o monopólio da Serrana nas licitações em que particie. Essa era uma das exigências feitas pela empresa investigada no momento do acordo com os gestores públicos, conforme o Gaeco.
Na região Norte, o MPSC destacou cinco municípios com exemplos dessa manobra: Canoinhas, Três Barras, Bela Vista do Toldo, Major Vieira e Papanduva.
Nestas cidades, a Serrana conquistou 20 licitações das 24 em que concorreu. Em Canoinhas, oito de dez contratações do município para serviços de coleta de lixo foram vencidas pelos investigados. Na década de relação entre a prefeitura e a empresa, de 2012 a 2022, a investigação apontou R$ 32 milhões pagos em contratos e aditivos.
Em um dos contratos feitos com Canoinhas, o MPSC aponta que a Serrana desqualificava a concorrência. Durante licitação em 2017, a empresa fez observações que inabilitaram as outras do páreo, mostra a investigação.

O município afirmou ao Grupo ND que o contrato com a Serrana foi encerrado em dezembro.
Serrana elaborava editais e os ava a prefeituras, diz delator 1u2z2m
Um dos delatores do processo – cujo nome não pode ser citado pela imprensa por proibição judicial – afirmou que um modelo de licitação era entregue pela Serrana antes mesmo do lançamento dos editais. Ou seja, os critérios para habilitação eram definidos pela própria empresa que concorreria, garantindo assim a preferência.
Em Papanduva, o Ministério Público apontou que a Serrana ganhou os três contratos com a prefeitura nos quais concorreu, sendo o primeiro deles em 2013. Desde então, foram pagos R$ 7,8 milhões. Procurada, a istração municipal não respondeu.
A partir de 2010, Major Vieira ou de R$ 3 mil para R$ 39,5 mil em pagamentos anuais à Serrana, uma soma de cerca de R$ 881 mil até 2022. Um valor que, em comparação com outras cidades da região não é expressivo, mas cresceu 1180,5% em 12 anos.
A prefeitura afirmou que pretende realizar uma nova licitação que substitua a Serrana. No entanto, segundo o município, nenhuma empresa mostrou interesse na prestação do serviço e a única proposta recebida segue sendo a da empresa investigada.
A dinâmica nas concorrências se repete em Bela Vista do Toldo, onde a Serrana venceu todas as licitações em que concorreu. A reportagem do Grupo ND procurou a assessoria de imprensa do município, porém não conseguiu realizar contato.
O prefeito do município foi preso pela a Operação Et Pater Filium, que, conforme o Ministério Público, desencadeou a Operação Mensageiro. Por decisão judicial, o Grupo ND está proibido de falar o nome do político em qualquer reportagem, pois ele assinou acordo de delação premiada com o MPSC.
Pagamentos à Serrana aumentaram até 41 vezes 1l3x2l
A relação entre a Serrana e o município Corupá é uma das mais curtas entre as cidades da região Norte apontadas pelo MPSC na Operação Mensageiro. Foram oito anos de contrato, no entanto, a cidade registrou o maior aumento de pagamentos entre todos os municípios: o valor foi 41 vezes maior entre o primeiro pagamento, de R$ 124,7 mil, e o último, de R$ 5 milhões, ocorridos entre 2015 e 2022.
A investigação apontou ainda que Corupá pagou à empresa R$ 14 milhões em sete anos. A prefeitura afirma que o contrato com a Serrana vence em abril, e já estuda parceria com consórcio da região para a coleta de lixo.
O Ministério Público não mencionou os pagamentos feitos por Mafra à Serrana, mas ressalta a relação de longa data entre a prefeitura e a empresa. A investigação apontou que a cidade teve uma participação importante no esquema na região. Isso porque em Mafra fica localizada a Seluma, aterro da Serrana que atende quatro municípios investigados pela Mensageiro: Itapoá, Guaramirim, Corupá e Massaranduba.
A Prefeitura de Mafra afirmou que a Serrana pediu, em setembro de 2021, um aditivo para o contrato vigente desde 2003 com o município, e que, diante da Operação Mensageiro, o pedido foi negado. Segundo o município, o contrato com a empresa acaba em agosto deste ano. O prefeito Emerson Maas afirmou ainda que nunca recebeu representantes da empresa investigada.
O gráfico a seguir, elaborado pelo Grupo ND, demonstra os pagamentos feitos pelas cidades citadas pelo MPSC no período entre 2010 e 2022. Estão incluídos os municípios de Três Barras e Massaranduba, que também possuem registros de pagamento que atravessam gestões.
Veja a evolução nos pagamentos à Serrana dos municípios da região Norte de SC entre 2010 e 2022, segundo o MPSC: nc4z
A Prefeitura de Três Barras afirmou que buscou fazer novas licitações, que, apesar de possuírem concorrência, foram vencidas novamente pela Serrana.
Questionada, a Prefeitura de Massaranduba não respondeu.