O Tribunal Criminal de Avignon, no sul da França, julga desde 2 de setembro o caso do homem acusado de dopar a própria esposa e recrutar desconhecidos para estuprá-la durante uma década. Psiquiatras e psicólogos divulgaram nesta segunda-feira (9) o perfil de Dominique Pelicot.

Segundo a investigação, ele dopou a mulher Gisèle Pelicot e permitiu que ela fosse violentada por 72 homens, entre julho de 2011 e outubro de 2020. A polícia conseguiu identificar apenas 50 do total, com idades entre 26 e 40 anos. Todos respondem por estupro qualificado, assim como Dominique Pelicot.
A filha do casal depôs à Corte sa durante 20 minutos e declarou que o pai é “um dos maiores criminosos sexuais dos últimos 20 anos”. “Como podemos superar quando sabemos?”, questionou Caroline Darian, durante o julgamento.
‘Manipulador perverso’ e ‘avô carinhoso’: conheça as duas caras de Dominique Pelicot 4r6x2l
Especialistas traçaram o perfil de Dominique Pelicot, de 71 anos, que recrutava desconhecidos para estuprar a própria mulher inconsciente. Um psicólogo Bruno Daunizeau definiu as “duas caras” deste “manipulador perverso”.
Avô “carinhoso” e “super legal” de dia, mas estuprador à noite. “De dia, pode ser coerente, e à noite, parecer diferente”, declarou o especialista.

Marianne Douteau, primeira psicóloga a depor como testemunha perante o tribunal nesta segunda-feira, destacou o caráter “raivoso” de Dominique Pelicot, que suscitava “medo”, “mentiras e sigilo”.
Essas características seriam semelhantes às de seu pai, a quem ele odiava. A família istrava um hotel-restaurante e ele trabalhou na indústria nuclear antes de entrar no mercado imobiliário, com pouco sucesso.
“A sexualidade do senhor Pelicot parece calcada em sua personalidade: comum em público, mas para sua parceira ele tem uma sexualidade tenaz”, analisou Douteau em seu depoimento.

A psicóloga citou como exemplo a troca de casais, que sua esposa Gisèle Pelicot rejeitou categoricamente, e que o acusado compensava “utilizando sites de chat pornográficos”.
“Em 50 anos, nunca o vi dizer nada inapropriado ou obsceno sobre uma mulher”, disse na quinta-feira (5) a vítima Gisèle Pelicot, de 71 anos. Seus advogados confirmaram nesta segunda-feira que o divórcio foi pronunciado em agosto.
A ex-companheira ainda descreveu Dominique Pelicot como um “jovem sedutor, de cabelos compridos” por quem se apaixonou no verão de 1971, e com o qual formou um “casal unido”, sem imposições.

Os netos, a quem ele ajudava nos deveres de casa e acompanhava nas atividades esportivas, adoravam o avô. Ele também andava de bicicleta com os vizinhos no icônico Mont Ventoux, perto de sua casa na comuna de Mazan, no sul da França.
Contudo, ninguém suspeitava que à noite, e por vezes durante o dia, ele se tornava um recrutador de desconhecidos para estuprar a própria esposa, a quem havia drogado. As investigações revelam que o crime foi cometido 92 vezes entre julho de 2011 e outubro de 2020, primeiro na região de Paris e depois em Mazan.
Além de Dominique Pelicot, processo vai julgar outros 50 acusados 272cb
O acusado não sofre de “nenhuma patologia ou anomalia mental”, mas sim um “desvio sexual ou parafilia de tipo voyeurístico”, segundo diversos exames psiquiátricos realizados durante a investigação.
As parafilias são condutas sexuais consideradas “perversas” pela sociedade ou fetiches “desviantes”. O “voyeurismo” é uma prática pela qual o indivíduo obtém prazer ao observar outras pessoas praticando atos sexuais.

Os relatórios definem Dominique Pelicot como um “manipulador” com uma personalidade “perversa”, que usava sua esposa como “isca”. Ele também teria caído em uma “dinâmica de dependência sexual”.
O escândalo foi descoberto em 2020, quando o acusado foi pego filmando por baixo das saias de mulheres em um centro comercial. Ao apreender o computador e o celular de Pelicot, a polícia descobriu imagens dos estupros cometidos contra a mulher.
“Minha mãe me disse: ‘ei quase o dia inteiro na delegacia. Seu pai me drogou para me estuprar com estranhos’”, contou a filha Caroline. “Liguei para meus irmãos. Nos sentimos indefesos. Choramos. Não entendemos o que estava acontecendo. Sofremos uma dor que não desejo a ninguém”, acrescentou, entre lágrimas.

Ao ser detido, Dominique Pelicot manifestou o seu “alívio”, porque “não conseguia parar”. Sua família, porém, questiona sistematicamente suas declarações. Segundo sua filha, “ele só conta parte da verdade quando se vê encurralado”.
A ex-mulher e a filha já depam na semana ada, agora é a vez dos outros dois filhos nesta segunda-feira. O primeiro interrogatório do acusado deverá ocorrer na tarde de terça-feira (9).

Dominique Pelicot se ausentou da audiência desta segunda devido a dores intestinais. Um jornalista da AFP observou que ele parecia muito fraco quando entrou no banco dos réus, apoiado em uma bengala.
Além do marido, até dezembro o processo vai julgar outros 50 homens por estupro com agravantes, crime que pode acarretar até 20 anos de prisão.
Nesta segunda-feira, seus advogados anunciaram à imprensa que vão apresentar queixa por ameaças após os dados pessoais dos demais acusados terem sido divulgados nas redes sociais.
*com informações de David Courbet, da AFP