Sem dinheiro, estrutura ou conhecimento, municípios de SC ‘esquecem’ do saneamento básico 595v2l

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São 212 municípios (71,8%) com índice zero para rede de esgoto no Estado; gestores precisam superar desafios para atender a meta da universalização dos sistemas até 2033

Santa Catarina é a 3º colocada no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre todas as unidades federativas do Brasil. Atrás apenas do Distrito Federal e de São Paulo, o Estado ocupa papel de destaque no indicador que compara fatores como riqueza, alfabetização e educação.

Apesar dessa reputação, o cenário de desenvolvimento industrial e econômico define apenas uma pequena parcela dos 295 municípios catarinenses. Ao analisar o perfil geral da maioria das cidades de Santa Catarina, encontra-se mais de 80% delas com menos de 25 mil habitantes, muitas com boa parte da população – ou até a maioria – vivendo no meio rural.

Transtorno na mobilidade provocado por grandes obras é um dos desafios de implantação de saneamento nas cidades – Foto: Leo Munhoz/NDTranstorno na mobilidade provocado por grandes obras é um dos desafios de implantação de saneamento nas cidades – Foto: Leo Munhoz/ND

E se mesmo as grandes cidades já mostram atrasos na atenção e investimentos ao saneamento básico, esse cenário se torna ainda mais evidente nas pequenas. Em todo o Estado, são 212 municípios sem um metro sequer  de rede coletora de esgoto instalado.

Dentre eles, há exceções como Brusque, com 140 mil habitantes, ou Camboriú, com 87 mil, mas o perfil dos municípios sem rede de esgoto no Estado é formado pelas cidades menores – são 200 com até 30 mil habitantes que não possuem porcentagem de atendimento de esgoto.

Nesses municípios, é possível identificar problemas até mesmo na prestação de contas. Na plataforma do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), há cidades sem dados informados para indicadores básicos, como água e esgoto.

Alguns não preencheram nenhum desses indicadores, como é o caso de Paial e Arvoredo, no Oeste, e Jaguaruna, Pedras Grandes e Morro Grande, no Sul do Estado.

Particularidades do saneamento nas cidades pequenas 5o106i

Por mais que a falta de redes de coleta e estações de tratamento de esgoto em municípios pequenos se justifique pelos altos custos, que tornam as obras inviáveis para populações desse porte, os dados indicam que há falta de atenção ao saneamento básico.

Mesmo não adotando o sistema coletivo de esgotamento sanitário, eles têm como opção a regularização do uso das fossas nas residências, alternativa que a Casan já começou a adotar em boa parte das cidades que atende, e exemplo dado também por algumas prefeituras, como São Ludgero, no Sul do Estado, que consta com 100% de atendimento de esgoto mesmo com um sistema individual.

Falta de verbas e até de conhecimento são desafios de gestão em SC 6k1y58

Paulo Canalles, presidente do Sindesc (Sindicato das Empresas Construtoras de Obras, Operadoras e Concessionárias de Saneamento no Estado de Santa Catarina), que representa os prestadores de serviços no Estado, afirma que é visível, com base em sua experiência, a precariedade em muitas gestões espalhadas por Santa Catarina, o que explica tantos índices zerados ou sequer informados no SNIS.

“O Estado tem muitos municípios pequenos, em que às vezes a prefeitura não tem estrutura e nem conhecimento para fazer um projeto de saneamento e preencher essas informações. Quando encontramos os gestores sempre cobramos por um plano municipal. E fazer isso entre vários municípios, para não sair tão caro”, relata.

A Fecam (Federação Catarinense de Municípios) também tenta intervir nesse tipo de situação. “As cidades menores têm esse problema da gestão do conhecimento. Muitos deles não conhecem a informação, não têm o ‘como fazer’.

A Fecam entra nisso, mostrando o caminho, a quem recorrer. Uma das saídas é o consórcio”, esclarece Schirlene Chegatti, consultora de meio ambiente da federação.

Legislação impõe metas até 2033 e exige investimentos 2x4f1v

Com o Marco Legal do Saneamento, as cidades serão obrigadas a investir em saneamento, independente do contexto em que estão inseridas. Cada um dos 295 municípios do Estado terão que traçar suas metas e decidir qual o melhor caminho a ser seguido.

Chegatti, da Fecam, acompanha de perto esse cenário. Ela aponta que os investimentos em esgoto terão que ser uma prioridade para todas as prefeituras nos próximos anos.

“De maneira geral, em termos de água, drenagem e resíduos o Estado atinge as metas. Já o esgoto é mais difícil, justamente por causa dos valores, e a maior dificuldade dos municípios é ter recursos. O que mais tem sido feito é buscar parcerias público-privadas”, detalha.

O presidente da Sindesc, Paulo Canalles, reforça que a corrida contra o tempo também é um dos desafios.

“Os investimentos em água, em grande maioria, já foram feitos. Esgoto custa mais que água – não diria que a obra é cara, porque tem muito retorno -, mas as cidades vão ter que investir, seja com recurso próprio, pela estatal, ou com parcerias privadas. O que temos falado nas reuniões é que tem que começar cedo, para dar tempo”, diz.

Para auxiliar os menores municípios, associações, sindicatos e federações, bem como a Sindesc e a Fecam, atuam com setores voltados a orientar os prefeitos e outros gestores. Vai do interesse de cada um buscar os melhores meios de solução.

O ‘senso de coletividade’ é uma dessas alternativas, e tem sido indicada pela Fecam.

“Levantamos essas alternativas em reuniões com associações, que são divididas em 8 macrorregiões no Estado. Tentamos integrar os interesses, sempre respeitando a autonomia de cada município, e lembrando que o Marco Legal também trouxe essa regionalização, então é dentro disso que trabalhamos para unir os municípios”, completa Chegatti.

“Obra bonita é aquela que todo mundo vê”: saneamento ‘esquecido’ é herança cultural da gestão pública 6l5b

“Tudo foi caminhando para que a questão do esgoto fosse esquecida”, resume Paulo Canalles, do Sindesc. Ele observa que o país chegou a avançar em pontos básicos de outros pilares, como o abastecimento de água (que a média brasileira é de 90%), mas o esgotamento ficou para trás.

“Eu vejo que nunca foi cobrado. Em Santa Catarina, que é um estado com IDH alto, a cobertura está em 26% – abaixo da média brasileira, que já deixa a desejar. O gestor tem ‘N’ frentes para atuar: saúde, educação, mobilidade… e o esgoto não costuma entrar nessa lista. Dizem que obra bonita é aquela que todo mundo vê”, complementa Canalles.

Para o professor de Gestão de Políticas Públicas da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), Alexandre de Sá, o perfil dos es e as demandas que estão ‘na boca do povo’ contribuem para esse cenário.

“Na grande maioria dos casos, o gestor quando assume já está pensando na reeleição. E para isso ele tenta agradar com obras que vão ser sentidas pela população no dia a dia delas. Creches, postos de saúde, asfalto, isso sempre foi a prioridade. Prova disso é que historicamente as obras estruturais, quando ocorrem, são em segundo mandato”, relata.

A ‘baixa popularidade’ das obras de saneamento é um fator relevante: além de ser pouco lembrada pelos moradores e ficar debaixo da terra, a instalação de uma rede coletora pode causar muitos transtornos na mobilidade urbana.

“A obra de saneamento é complexa, porque altera a rotina das pessoas, você não pode fechar ruas ao mesmo tempo, não pode retirar moradores de suas casas. Além do ônus financeiro tem o ônus dos transtornos na mobilidade, esse é um dos maiores desafios”, diz Paulo Canalles.

O professor Alexandre de Sá destaca que no Brasil, especialmente em cidades pequenas, requisitos técnicos costumam estar ausentes dos gabinetes.

“Elegemos políticos profissionais. Geralmente por serem pessoas populares, ou pelo carisma, mas não pelos atributos técnicos de sua execução. Mas é fundamental que o poder executivo tenha profissionais que estudem a fundo os problemas e, por exemplo, pesquisem exemplos pelo mundo de outros municípios que conseguiram solucioná-los”.