Monte Cristo: contrato previa fiscalização rigorosa, mas construtora usou só metade do ferro 703t3u

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Documentos obtidos com exclusividade pelo Grupo ND mostram que aditivos contratuais atrasaram obra que rompeu no Monte Cristo e mais três contratadas pela Casan

Firmado em outubro de 2014, o contrato entre a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) e a Construtora Gomes e Gomes para a construção de três reservatórios e mais serviços de rede, incluindo o R4, que rompeu na semana ada no bairro Monte Cristo, tinha a previsão inicial de entrega desta obra para outubro de 2015. No decorrer de seis anos, o serviço teve 13 aditivos contratuais, que são alterações ao objeto inicial da contratação, alguns com aumento de valores.

Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/NDDesastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/ND

Os outros dois reservatórios previstos no contrato estão localizados em São José – o do bairro Forquilhinhas foi esvaziado nesta semana, para vistoria –, assim como a construção da rede de abastecimento de água, na rua Heriberto Hülse. O reservatório do Monte Cristo foi entregue apenas em março de2022, e dois meses depois os moradores já denunciavam vazamentos. Dos 13 aditivos, 11 prorrogaram o prazo em 2.585 dias ao todo.

Sem justificativa 3w5a4r

Os documentos mostram uma série de alterações na previsão de entrega, mas sem que haja justificativa para postergar. Do total de aditivos, três apresentaram aumento nos valores. As alterações totalizam um acréscimo de R$ 2.364.366,02 ao valor inicial do contrato, que era de R$ 9,6 milhões.

O reservatório do Monte Cristo, especificamente, tinha custo inicial previsto de quase R$ 4,8 milhões e saiu por quase R$ 6 milhões. A estrutura tinha capacidade para atender aproximadamente 80 mil pessoas, nos bairros Jardim Atlântico (onde fica a comunidade atingida do Sapé), Coloninha, Monte Cristo e Estreito, na Capital, e Barreiros, Kobrasol e Campinas, em São José.

Termos não discriminam quantidades nem valores unitários dos produtos e serviços 1s5965

O primeiro termo aditivo executado um ano depois do início das obras é referente a um ajuste de prorrogação em mais 360 dias. Em 2016, quando o prazo estava terminando, foi firmado um outro termo, que além de aumentar a vigência por mais um ano, também elevou o orçamento da obra.

Reservatório de água da Casan se rompeu e deixou estragos na região Continental de Florianópolis. – Foto: Ana Schoeller/Divulgação/NDReservatório de água da Casan se rompeu e deixou estragos na região Continental de Florianópolis. – Foto: Ana Schoeller/Divulgação/ND

Neste acordo foi definido um acréscimo de 7,78% no valor final, cerca de R$ 748 mil para arcar com serviços e produtos que não tiveram suas quantidades nem valores unitários discriminados no documento Neste mesmo contrato também foi definida uma supressão de 4,16%, cerca de R$400 mil descontados para a construção do reservatório, sem especificar os motivos.

Outros dois termos foram firmados em 2018 para aumentar o orçamento da obra. Foi acordado um acréscimo de 7,77%, cerca de R$737 mil em junho e outro de9,15%, cerca de R$ 880 mil, em dezembro. As três alterações de valor totalizam um acréscimo de R$ 2.364.366,02ao orçamento inicial da obra, que era de R$ 9,6 milhões. Outros nove termos foram expedidos com o único intuito de alargar o prazo de execução da obra. O prazo inicial era de 375 dias.

Em oito anos, contrato ou por quatro presidentes da Casan 1u4e69

O primeiro documento, que celebrou o contrato entre a Casan e a Construtora Gomes e Gomes, foi assinado no dia 6 de outubro de 2014 pelo então diretor-presidente da Casan, Valter Gallina, e o então diretor de Expansão, Adelor Vieira – além de José Roberto Gomes, responsável pela construtora, que assinou o contrato e todos os aditivos posteriores até agosto de 2022.Ao longo do tempo, os aditivos do contrato aram pelas mãos de outros três presidentes: Celso José Pereira, Adriano Zanotto e Roberta Maas dos Anjos. Três diretores de Expansão diferentes também am.

Rompimento reservatório da Casan causou estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. – Foto: Leo Munhoz/NDRompimento reservatório da Casan causou estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. – Foto: Leo Munhoz/ND

A equipe do NDI (Núcleo de Dados e Investigação do Grupo ND) tentou contato com Valter Gallina, que executou o contrato original, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Construtora usou ferro de 5 mm ao invés de 10 mm; contrato previa fiscalização rigorosa 2o4819

O contrato firmado entre a Casan e a Construtora Gomes e Gomes para a construção do reservatório no bairro Monte Cristo, em Florianópolis, previa um sistema de fiscalização rigoroso. Das 18 cláusulas, nove trataram de ações de controle para evitar falhas.

Os termos indicavam que todas as etapas da obra precisavam ser submetidas à aprovação da Casan, dentro de um processo permanente de fiscalização da concessionária em relação à empreiteira. Apesar dos mecanismos de controle, dados preliminares da força-tarefa que investiga as causas do rompimento, indicam que a estrutura foi construída com a metade do ferro necessário. Os documentos da contratação do serviço foram requisitados pelos órgãos de fiscalização para identificar onde ocorreu a falha.

A análise preliminar do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e do Ministério Público indicam que há “discrepância” entre o projeto inicial que consta no edital e o que foi de fato construído. Conforme o órgão, houve erro no diâmetro do ferro da armação dos pilares do reservatório. O projeto inicial previa o chamado ferro “corrugado” de 10 milímetros, mas as informações preliminares da perícia e a análise da estrutura exposta demonstram que foi usado ferro liso, que tem até 5 milímetros.

Fiscalização não funcionou no Monte Cristo a5ez

Os documentos de contratação do serviço obtidos com exclusividade pelo GrupoND apresentam uma série de medidas que poderiam ter sido tomadas pela gestão da Casan caso a obra atrasasse ou o serviço apresentasse problemas, o que não ocorreu. A entrega da obra foi feita seis anos depois do acordado e foi postergada mediante a apresentação de aditivos contratuais que foram aceitos pela companhia, aumentando o valor do contrato. A reportagem tentou entrarem contato com os gestores que presidiram a Casan no período, mas não obteve retorno.

Casan garantiu em várias cláusulas plenos poderes de fiscalização 2j16r

O contrato é dividido em duas partes, a primeira com os termos gerais do serviço e a segunda parte que especifica a contratação. Na primeira parte, há a previsão deque a Casan deve disponibilizar técnicos e engenheiros da companhia, que ficarão responsáveis durante toda a obra provendo a necessária fiscalização dos serviços.

Imagens aéreas revelaram cenário de destruição na região Continental de Florianópolis. – Vídeo: GMF/Divulgação/ND

Já na segunda parte do contrato, na cláusula segunda, referente aos prazos de execução, cita que os “cálculos estruturais das obras, memorial, plantas e demais detalhes, bem como outros objetos complementares, deverão ser entregues pela empreiteira à Casan, para aprovação desta, com antecedência mínima de 30 dias em relação aos prazos do cronograma”. Ainda diz que “todos os elementos dos cálculos estruturais e outros projetos complementares deverão ser entregues à Casan nos originais”.

Na cláusula terceira, que trata dos preços, cita que os pagamentos serão procedidos em parcelas mensais correspondentes às etapas concluídas das obras e medidas pela fiscalização da Casan. Sobre o faturamento, a empreiteira emitirá as faturas mensais em conformidade com os boletins de medição, e aprovados pela fiscalização da Casan. Ainda diz que a Casan poderá reter o pagamentos das faturas, se houver imperfeições na execução dos serviços ou obras.

Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/NDDesastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros – Foto: Leo Munhoz/ND

A fiscalização é citada novamente na cláusula quinta, onde diz que a Casan “exercerá ampla e irrestrita fiscalização na execução das obras objetos deste contrato, a qualquer hora, em toda a área abrangida pelas obras” e que a empreiteira “manterá um ‘Diário de Obras’ conforme modelo da Casan, destinado ao registro de fatos e ocorrências que possam interessar ao perfeito cumprimento deste contrato e, em especial das datas de conclusão das várias etapas das obras, para todo e qualquer fim, inclusive verificação e confronto com o cronograma para a aplicação de índices de custo”.

Diz ainda que “as anotações lançadas no Diário serão somente validadas se estiverem autenticadas com a da fiscalização da Casan”.Na cláusula sexta, referente aos recebimentos das obras, diz que “concluídas as obras e serviços, será promovido o recebimento provisório pela fiscalização da Casan”.

Qualidade do concreto 575m3

Também na segunda parte do contrato, que fala sobre empreitada e obras civis, a fiscalização é citada na cláusula primeira, relacionada ao concreto. O texto aponta que ‘a empreiteira contratará uma empresa idônea e especializada em controle tecnológico do concreto’, que envolvem a cura, moldagem, rompimento dos corpos de prova, entre outros, assim como o controle da qualidade do solo, aterros, equipamentos, instalações e outros componentes da obra, que devem fornecer à fiscalização da Casan, por escrito, os resultados encontrados.

Penalidades em caso de descumprimento previam multas 5km3e

Na cláusula sexta, que trata sobre penalidades, o contrato descreve as sanções que podem ser aplicadas pela Casan em caso de descumprimento. As sanções são advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação, impedimento de contratar a empresa por um prazo superiora dois anos e declaração de idoneidade para licitar ou contratar com a istração pública.

Na cláusula sétima, que trata sobre rescisão, há indicação de que constituem motivos para a rescisão a “lentidão no cumprimento da obra” que levaria a Casan “a comprovar impossibilidade da execução dos serviços, nos prazos estipulados”. Ainda na cláusula sétima, do contrato de empreitada, na parte que trata de penalidades diz que caberá a aplicação de multa caso haja informações inexatas ou criação de situação de embaraços pela empreiteira à fiscalização.

Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas - Leo Munhoz/ND
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Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas - Leo Munhoz/ND
Em 30 dias, segundo o presidente, o valor gasto pela Casan foi de R$ 4,2 milhões - Leo Munhoz/ND
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Em 30 dias, segundo o presidente, o valor gasto pela Casan foi de R$ 4,2 milhões - Leo Munhoz/ND
Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros - Leo Munhoz/ND
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Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros - Leo Munhoz/ND
Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros - Leo Munhoz/Arquivo ND
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Desastre com reservatório da Casan destruiu centenas de casas e carros - Leo Munhoz/Arquivo ND
Conforme a Casan, em 30 dias, 158 pessoas tiveram a antecipação das indenizações - Léo Munhoz/ND
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Conforme a Casan, em 30 dias, 158 pessoas tiveram a antecipação das indenizações - Léo Munhoz/ND
Rompimento reservatório da Casan causa estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. - Leo Munhoz/ND
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Rompimento reservatório da Casan causa estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. - Leo Munhoz/ND
Rompimento reservatório da Casan causa estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. - Leo Munhoz/ND
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Rompimento reservatório da Casan causa estragos e prejuízos na região Continental de Florianópolis. - Leo Munhoz/ND
O rompimento da estrutura causou muitos danos na rua Luiz Carlos Prestes. - Ana Schoeller/Divulgação/ND
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O rompimento da estrutura causou muitos danos na rua Luiz Carlos Prestes. - Ana Schoeller/Divulgação/ND
Estrutura da Casan na região continental de Florianópolis ficou danificada - Ana Schoeller/Divulgação/ND
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Estrutura da Casan na região continental de Florianópolis ficou danificada - Ana Schoeller/Divulgação/ND
Estrutura da Casan rompe na região Continental de Florianópolis. - NDTV/Reprodução/ND
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Estrutura da Casan rompe na região Continental de Florianópolis. - NDTV/Reprodução/ND
Estrutura da Casan rompe na região Continental de Florianópolis. - NDTV/Divulgação
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Estrutura da Casan rompe na região Continental de Florianópolis. - NDTV/Divulgação
87 veículos foram recolhidos no pátio do Almoxarifado Central. Desses, 78 tiveram perda total e 9 tiveram orçamento para manutenção - NDTV/Divulgação
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87 veículos foram recolhidos no pátio do Almoxarifado Central. Desses, 78 tiveram perda total e 9 tiveram orçamento para manutenção - NDTV/Divulgação
A equipe da Casan calcula que 490 pessoas foram atingidas pelo rompimento - Paulo Mueller/NDTV/Divulgação
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A equipe da Casan calcula que 490 pessoas foram atingidas pelo rompimento - Paulo Mueller/NDTV/Divulgação

Já na cláusula oitava – referente à rescisão -, diz que entre outros motivos para a rescisão do contrato está o “não cumprimento de qualquer das cláusulas contratuais, especificações, projeto, cronograma ou cumprimento irregular de qualquer obrigação mencionada”, como o “desatendimento das determinações regulares da fiscalização da Casan ou da sua diretoria.

Responsabilidade da empreiteira 5nr5h

A cláusula nona, que trata sobre a responsabilidade, indica que a “empreiteira responde pela solidez e segurança das obras, nos termos do artigo 618 do Código Civil Brasileiro, sem restrições”. Ainda diz que a “empreiteira é responsável pelos danos causados a Casan ou a terceiros decorrentes de sua culpa ou dolo na execução do contrato”, não excluindo ou reduzindo a sua responsabilidade a fiscalização ou acompanhamento pela Casan. Por fim, a fiscalização e o acompanhamento da execução da obra pela Casan, bem como os pagamentos e os recebimentos provisório se definitivo, não eximem a empreiteira de plena responsabilidade civil, pela solidez e segurança da obra, perante a Casan ou terceiros, nem a responsabilidade ético-profissional pela perfeita execução do contrato.