Entre o lucro e o prejuízo: economia catarinense precisa driblar má qualidade das praias 4pq3t

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Surtos de doenças relacionadas à falta de saneamento atingem regiões litorâneas há anos; levantamento aponta que Estado deixa de ganhar bilhões ao não solucionar os problemas

Diariamente, o motorista autônomo Paulo Henrique Kenes, de 53 anos, pega o carro nas primeiras horas da manhã para fazer corridas de aplicativo em Florianópolis. Em plena temporada, faz uma analogia: “São três meses de muito lucro. É como na lavoura, a época da colheita: ganha para garantir o ano”.

Enquanto a média de lucro fica entre os R$ 200 a R$ 300 por dia ao decorrer do ano, de dezembro a fevereiro as expectativas são bem mais altas. “Tem dias que pode chegar a R$ 800, R$ 1.000…”.

Motorista Paulo Henrique da Silva Kenes divide as atenções entre os aplicativos de corrida e de balneabilidade – para evitar doenças e prejuízos – Foto: Anderson Coelho/NDMotorista Paulo Henrique da Silva Kenes divide as atenções entre os aplicativos de corrida e de balneabilidade – para evitar doenças e prejuízos – Foto: Anderson Coelho/ND

Para aproveitar ao máximo essa demanda, Paulo Henrique prefere as viagens longas, onde diz percorrer de praia à praia, não só na Ilha, mas também por outros destinos do Litoral catarinense.

“Vou pra onde for, costumo pegar corridas até Balneário, Garopaba…” – mas não se prende a nenhum limite: “Vamo pra Maceió? Vamo!”.

Nessa época, cada ageiro entregue ao seu destino final significa um tilintar de moedas crucial para os cofres do ano todo. Entretanto, em meio ao frenético ir e vir das praias há também preocupações.

De olho na balneabilidade 3r2l50

Paulo Henrique se mantém atento às análises de balneabilidade, pois sabe que, a depender do bairro, a situação sanitária não é das melhores. “É um cuidado porque a gente vê muito caso de doença. E até mesmo pelos clientes, as praias com melhor balneabilidade são mais procuradas”, conta.

Redobrar a atenção com os índices de balneabilidade das águas catarinenses não é nenhum excesso de capricho. O último relatório do IMA indica que 36% dos pontos coletados nas praias do Estado estão impróprios para banho.

É um ‘contrapeso’ já conhecido de quem mora ou costuma visitar com frequência as praias que sofrem com o despejo irregular de esgoto. Na Capital, por exemplo, são 26 locais impróprios, de acordo com o levantamento mais atualizado.

O contato com essas águas pode resultar em uma série de problemas para a saúde. Ronaldo Zonta, médico da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, ressalta que as “explosões” de casos de doenças no verão se dão diretamente por conta de situações relacionadas à falta de saneamento.

“A água contaminada do mar, quando a gente tem uma concentração de coliformes fecais ou mesmo de outros materiais vindos do esgoto, tende a causar surtos. É uma grande preocupação”, alerta o médico.

Para um trabalhador autônomo como Paulo Henrique, perder dias de trabalho no meio da temporada de verão gera grandes impactos nos ganhos do ano – nas contas dele, uma semana inativo pode resultar em prejuízos de cerca de R$ 5 mil.

Situação mais grave ainda quando se repete ano após ano. Carlos Friolim, que atua na mesma área, mantém uma rede de contatos com outros motoristas de aplicativo pelo Estado, e vê de perto a dimensão do problema. “Gera um desequilíbrio na renda e exige manobra financeira na vida, porque é uma queda no rendimento, quem é autônomo sabe”, relata.

Efeitos em grande escala 4z5x25

Se o impacto da frequência anormal de doenças relacionadas ao saneamento na vida de uma pessoa já é grande, imagine os efeitos em milhões de habitantes.

Ao expandir o olhar para o Estado como um todo, a situação toma proporções bilionárias: se não universalizar os serviços de saneamento básico, a estimativa é que Santa Catarina deixe de ganhar até R$ 32,5 bilhões.

O valor é referente a benefícios não só financeiros como também sociais e ambientais que seriam revertidos através de melhorias nos sistemas de abastecimento de água e de esgoto, principalmente.

O dado foi levantado em um estudo feito pelo Instituto Trata Brasil, que analisou 5 unidades federativas do país para observar os impactos financeiros da falta de saneamento.

Universalização do saneamento geraria ganhos de R$ 32,5 bi para Santa Catarina 302yw

De acordo com o Trata Brasil, o lucro líquido da universalização do serviço de saneamento em 35 anos seria de R$ 23,8 bilhões, já que o valor necessário de investimento é de R$ 8 bilhões. Os principais retornos seriam na saúde, aumento de produtividade no trabalho, valorização imobiliária e turismo.

Arte: Leandro MacielArte: Leandro Maciel

Prejuízo em Santa Catarina é maior do que no resto do Brasil w3k1q

O estudo compara a realidade catarinense com as regiões Norte e Nordeste. O economista e pesquisador do Instituto Trata Brasil, Fernando Garcia, destaca que a “conhecida deficiência histórica na área do saneamento básico” de Santa Catarina chama a atenção.

As outras localidades pesquisadas foram Rondônia, Acre, Maranhão e Rio Grande do Norte. Os quatro estados possuem índices de saneamento bem inferiores ao de Santa Catarina, porém, o levantamento constatou que o impacto financeiro da precariedade dos serviços é ainda maior por aqui.

“É um Estado rico e que tem uma mão de obra muito ativa. Outro fator importante é a valorização ambiental que está associada ao turismo”, esclarece Garcia.

O pesquisador ressalta que a poluição tende a afastar os turistas que procuram pela beleza e tranquilidade das áreas de praia e montanha, que são grandes recursos naturais de Santa Catarina.

Desvalorização imobiliária gera prejuízo de R$ 100 milhões por ano 2b734h

“Natureza, esportes e qualidade de vida”: esses são os principais fatores que levam a corretora de imóveis Luciana Martorano a atrair clientes na Avenida Beira-Mar Norte, cartão postal de Florianópolis.

As características são visíveis aos olhos de quem se encanta com o local e paga milhões por um apartamento de frente para o mar, apesar do contraditório fato de a água ser imprópria para banho por conta do despejo irregular de esgoto.

Martorano diz que não costuma perder clientes por causa da falta de saneamento, mas a perspectiva financeira poderia ser melhor. “Se a água fosse própria para banho, acredito que os preços triplicariam”.

A percepção é embasada pelo estudo realizado pelo Trata Brasil, que apontou que a falta de investimentos em saneamento custaria R$ 3,5 bilhões em desvalorização imobiliária em 35 anos.

O exemplo da Avenida Beira-Mar é um dos casos de exceção. Em outros locais, a falta de saneamento provoca transtornos financeiros muito mais impactantes.

“Se não existe nenhum tipo de investimento do poder público para fornecer condições ideais de infraestrutura, os valores baixam cada vez mais”, explica o professor de MBA de incorporação e construção da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Pedro Cunha. Nas regiões onde não há “migração natural”, o investidor “simplesmente vira as costas, e o bairro só empobrece”, avalia o professor.

“Cabe ao ente público fazer obras de infraestrutura para que as pessoas queiram continuar morando ali, por ter condições de moradia. Quando se tem isso, você atrai lançamentos e automaticamente tudo ganha preço”, conclui Cunha.

A corretora de imóveis Luciana Martorano aposta na qualidade de vida da Beira-Mar Norte para atrair clientes- apesar da área ser imprópria para banho – Foto: Anderson Coelho/NDA corretora de imóveis Luciana Martorano aposta na qualidade de vida da Beira-Mar Norte para atrair clientes- apesar da área ser imprópria para banho – Foto: Anderson Coelho/ND