Mesmo com investimentos milionários, não será possível mergulhar na Beira-Mar Norte tão cedo 1t543z

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Sistema de drenagem da água da chuva carrega esgoto para o local e não há planos para resolver o problema; Diferente das promessas, tomar um banho de mar na região não será possível tão cedo

O esgoto é jorrado na Beira-Mar de forma incessante, mas ele chega disfarçado, diluído e sem autoria conhecida. Se fosse apenas um cidadão que largasse a sujeira, ele seria acusado de crime ambiental.

Mas são milhares de cidadãos. Uma multidão que polui sem saber. São pessoas que estão desaguando o esgoto no sistema de drenagem que desemboca no mar, por onde deveria ar apenas água da chuva.

Bianca Schveitzer, do IMA, mostra a cartela com luzes ‘brilhantes’. Esse é um dos os finais para indicar a quantidade
de amostras com coliformes fecais em um ponto de coleta. - Anderson Coelho/ND
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Bianca Schveitzer, do IMA, mostra a cartela com luzes ‘brilhantes’. Esse é um dos os finais para indicar a quantidade de amostras com coliformes fecais em um ponto de coleta. - Anderson Coelho/ND
O número de ‘pontos brilhosos’ resulta na quantidade de
Escherichia Coli presente em cada praia - se ar de 800 coliformes fecais, o local está impróprio para banho - Anderson Coelho/ND
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O número de ‘pontos brilhosos’ resulta na quantidade de Escherichia Coli presente em cada praia - se ar de 800 coliformes fecais, o local está impróprio para banho - Anderson Coelho/ND
Bianca Schveitzer, do IMA - Anderson Coelho/ND
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Bianca Schveitzer, do IMA - Anderson Coelho/ND

A multidão que polui é formada por gente ‘normal’. Boa parte são os moradores que têm rede coletora regularmente instalada, mas estão ligadas na rede pluvial.

Muitas vezes sem ter conhecimento sequer que há saneamento no local onde moram. Nesses casos, o poder público falha duas vezes. Ao não educar essa população durante o processo de implementação da rede coletora de esgoto e ao não fiscalizar os estabelecimentos e residências de forma efetiva.

Já a população falha por não entender que a sua ‘pequena’ sujeira individual somada com a de milhares, reforça um cenário histórico de poluição.

Também há os moradores que não têm rede coletora de esgoto e utilizam fossas. Quando essas estruturas não são bem construídas ou não são limpas com periodicidade, seus reservatórios também jogam coliformes fecais nos canos da chuva.

Enquanto o esgoto continua sendo despejado na rede de drenagem, o jeito de tentar amenizar o problema para as próximas gerações tem sido tratar a água da chuva que desemboca ali.

Mais de R$ 18 milhões foram investidos para tratar os efluentes que chegam pelas galerias pluviais. A URA (Unidade de Restauração Ambiental) entrou em funcionamento em 2019.

“A Beira-Mar é uma situação extraordinária. Lidar com ligações de drenagem levando água de esgoto é um serviço que nem é regularizado, que sempre esteve fora do escopo da Casan. Por isso levou tanto tempo até alguém resolver fazer um trabalho desse tipo”, explica Francisco Pimentel, da Casan.

Coletas apontam índice de coliformes fecais elevados 9g60

Quando foi anunciada a construção da URA, houve desinformação e até promessas de que a obra seria capaz de despoluir a Beira-Mar. Com a expectativa de que a área ficaria própria para banho, os moradores já se imaginavam curtindo dias de praia na região. Quase quatro anos depois, não é isso que se vê.

A animação inicial ficou por conta do primeiro registro favorável de balneabilidade no local. No dia 26 de março de 2019, pela primeira vez, um ponto da Beira-Mar Norte foi considerado próprio para banho pelo IMA.

Entretanto, registros isolados não dão segurança. Das 388 análises realizadas no local desde a instalação da URA, 349 apresentaram elevado índice de coliformes fecais e foram classificadas como impróprias. Em apenas 39 casos a coleta indicou que a água estava própria.

As análises positivas esporádicas não significam liberdade para tomar banho na área. “Olhando para todo esse histórico da balneabilidade da Beira-Mar, você tomaria banho lá se a última análise indicar balneabilidade?”, questiona o gerente de laboratório do IMA, Marlon Daniel da Silva.

Ele mesmo responde: “claro que não”.  O profissional ressalta que é necessário ter muita cautela na hora de pensar em tomar um banho em qualquer lugar que tenha variações de balneabilidade – no caso da Beira-Mar, atenção redobrada.

Sistema de limpeza da Beira-Mar não é resistente a chuva (em cidade que chove mais de 100 dias por ano) 1t1p11

A pergunta que fica: mesmo com todo o investimento na URA, por que os índices de balneabilidade seguem apontando sujeira? A resposta chega a ser surpreendente. Segundo explicações da própria Casan e também da prefeitura, o sistema da URA não funciona quando chove.

“Em tempo chuvoso, a URA é obrigada a abrir as ‘tampas’ que evitam que o esgoto que está nas galerias pluviais cheguem no mar, O sistema não resiste a um volume tão grande de água”, explica Francisco Pimentel, da Casan.

É o fator que justifica tamanha variação nos índices de propriedade da Beira-Mar. Em Florianópolis, por ano são mais de 100 dias de chuva. A média chega a praticamente 10 dias de precipitação por mês, de acordo com informações da Epagri.

O gerente do laboratório do IMA, Marlon Daniel, relata que as análises são feitas semanalmente – faça chuva ou faça sol -, abrangendo a realidade climática do local.

Segundo a Casan, uma estrutura que comportasse os níveis de chuva que atingem Florianópolis seriam inviáveis, na prática. Mas a Companhia destaca que a limpeza promovida pela URA já melhorou consideravelmente a qualidade da água, que apresenta índices de coliformes fecais bem menores e ajudou a reduzir o mau cheiro da região, que era um antigo problema.

De acordo com a prefeitura, as medidas estão sendo supervisionadas. “A avaliação preliminar é que a URA traz resultados. Infelizmente está ando uma quantidade muito baixa de chuva.

O município aprovou agora a fiscalização da Aresc, agência reguladora que irá acompanhar os serviços. Seguimos monitorando esse trabalho”, afirma Lucas Arruda, secretário adjunto da SMMA.

Dados da URA 4q6p25

  • Em 3 anos, a URA evitou o lançamento de cerca de 10 bilhões de litros de esgoto sem tratamento na Beira-Mar. São evitadas a descarga de quase 2,5 toneladas de material orgânico por ano, o equivalente ao que é gerado em uma cidade de 44.500 habitantes.
  • Foram retirados do sistema cerca de 1500 toneladas de resíduos – o equivalente a 200 caminhões de lixo.
  • De 2019 a 2021 houve redução de 43% na média de coliformes fecais na Beira-Mar em relação ao período 2016-2018.

Nos locais onde há rede coletora, fiscalização cobra  moradores para proteção do sistema de drenagem 3lcw

O desconhecimento sobre a importância de proteger a rede pluvial é generalizado. De acordo com o Sanear Floripa, 78% dos imóveis inspecionados no Centro e Agronômica estão irregulares.

Segundo os dados, a área da Beira-Mar Norte chegou a ter, há cerca de dois anos, 90% das residências com inadequação no descarte dos dejetos.

Através de um convênio entre a prefeitura e Casan, os estabelecimentos e residências são fiscalizados com o programa Se Liga Na Rede, que orienta a população a fazer o descarte na rede coletora (nas regiões onde há rede coletora).

“O Se Liga na Rede existe desde 2012. Naquela época, na cidade inteira, a porcentagem de ligações irregulares era de 73%, hoje está em 45%”, informa Francisco Pimentel que é o engenheiro chefe da companhia.