Santa Catarina é um Estado periférico no futebol, mas o talento – seja no esporte, seja na arte ou na literatura – não se acanha diante de barreiras territoriais. Por isso, embora com projeção inferior a centros mais ricos e populosos, por aqui também se corre atrás da bola com fome de gols, títulos e, quem sabe, contratos vantajosos.
Desde que foi criado um campeonato de âmbito estadual, exatamente um século atrás, e mesmo antes disso, craques já exibiam sua técnica em gramados catarinenses.
Ouvir figuras que deixaram rastros é entender por que a paixão pelo futebol envolve e arrasta todas as torcidas. Da década de 1970 para cá, Santa Catarina viu Avaí e Figueirense retomaram o protagonismo perdido nos anos 40, o ville enfileirar troféus e dar as cartas durante uma década inteira, o Criciúma se impor e ganhar títulos nacionais e a Chapecoense ir da quarta para a primeira divisão nacional em apenas quatro anos.
Por trás dessas performances sempre estiveram jogadores de muita qualidade. A reportagem foi atrás de alguns desses atletas e ouviu depoimentos como o de Toninho Quintino, o artilheiro que saiu da Armação da Piedade, em Governador Celso Ramos, para brilhar em campos nacionais, depois de ser a revelação do Campeonato Brasileiro de 1975 pelo Figueirense.

Ele começou no Avaí como ponta direita, jogando ao lado de Fio Maravilha, Paulo Henrique e Ademir, que tinham vindo do Flamengo, em 1972.
Muito bons de bola, Zenon e Balduíno atuavam naquele time, que foi vice-campeão estadual com Toninho entre os reservas. No ano seguinte, veio o caneco, na vitória da final sobre o Juventus de Jaraguá do Sul, quando ele foi artilheiro mesmo tendo ficado todo o primeiro turno no banco. Em 1975, ao lado de Lico, Pinga, Casagrande, Sérgio Lopes, Moacir, Marcos Cavalo e Luiz Éverton, foi vice pelo Figueirense.
Foi no Brasileirão daquele ano, no entanto, que Toninho explodiu, fazendo 15 gols e sendo eleito a revelação do campeonato, o que lhe rendeu um carro dado de presente pela antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos). Numa atuação antológica, marcou duas vezes contra o Palmeiras, no Parque Antárctica, e foi logo contratado pelo time paulista, onde fez 176 jogos e 86 gols.
“Ainda sou o sexto maior artilheiro do Palmeiras em campeonatos brasileiros, tendo jogado no clube durante três anos e meio”, conta ele. Agora é que Dudu ou por ele na artilharia, mas o atacante está há nove anos no clube. “Em 1975, a cada bom resultado, o time do Figueirense era recebido com festa e o trânsito parava na cidade”, recorda Quintino.
Marcação, roubadas de bola e gols em série 69665t
No Palmeiras, Toninho jogou ao lado de Leão, Ademir da Guia, Dudu (tio do técnico Dorival Júnior), Eurico, Alfredo, Beto Fuscão, Jorge Mendonça e Edu – uma academia! Ex-campeão de atletismo, ele se movimentava muito em campo e marcava sob pressão, roubando bolas e fazendo gols em profusão.
“É por isso que iro o atacante Cano, do Fluminense, que tem o meu estilo”, diz o jogador. O time foi campeão paulista em 1976 e vice do Brasileiro de 1978, ganho pelo Guarani de Zenon. Depois, ele foi para o Cruzeiro, uma experiência mal sucedida, e para o Corinthians, onde jogou ao lado de Sócrates e marcou 14 gols.
Depois vieram a Universidade Católica do Chile, times brasileiros de menor expressão e a volta para o Avaí, onde marcou mais de 90 gols entre 1984 e 1986, atuando ao lado de Flávio Roberto, Belmonte, Catatau e Décio Antônio.
Com tamanha performance, Toninho teria jogado na Europa, com folga, mas os tempos eram outros. A preparação física nem se compara, em estrutura e sofisticação, com os dias de hoje. Por outro lado, não havia tantos empresários assediando atletas, ligando durante a concentr
ação pré-jogo, tomando café da manhã com seus contratados no hotel. “No Palmeiras, eram permitidas apenas ligações de familiares nas vésperas das partidas”, compara.
Depois de se aposentar dos campos, Toninho Quintino abriu uma loja de esportes, istrou um complexo com 12 campos de futebol no bairro Abraão, em Florianópolis, e trabalhou na Fundação Municipal de Esportes da Capital, ao lado de outro craque, Renato Sá, entre 1989 e 1992.
Foi gerente de futebol do Figueirense, em 1989, antes da primeira gestão de Marco Aurélio Cunha, e testemunhou a chegada de Genilson, Aldrovani, Perivaldo e, depois, Fernandes.

Hoje, aos 71 anos, Toninho desfruta da aprazível Fazenda da Armação, em Governador Celso Ramos, e quando estimulado fala de seus gols, títulos e companheiros de jornada. E do que aprendeu com os técnicos Dino Sani, Filpo Núñez, Osvaldo Brandão, Telê Santana e Jorge Ferreira, um dos melhores que aram por Santa Catarina.
O meia de 1,60m que fez de cabeça o gol título avaiano 3c2ae
Sem nunca ter sido capitão, Balduíno sempre foi um líder em campo, conciliando habilidade com um protagonismo que incluía a reivindicação de melhores condições de trabalhos para os jogadores. Em 13 anos, ele disputou nada menos que 75 clássicos entre Avaí e Figueirense – é, portanto, uma espécie de amuleto, um mascote, do centenário do Campeonato Estadual.

Começou nas categorias de base do Figueira, mas foi no Leão da Ilha que estourou, levando o time ao título de 1973, na final contra o Juventus, quando fez um dos gols, em jogada ensaiada com a participação de Zenon e Rogério. E o gol foi de cabeça, uma façanha para o meia armador de 1,60m de altura!
Depois ele retornou ao Figueirense, jogou no Grêmio e abandonou o futebol para ser professor de educação física na Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), onde trabalhou até se aposentar. Tanto quanto sobre o futebol dentro das quatro linhas, ele gosta de falar da estrutura e da preparação física no seu tempo de atleta na comparação com os dias que correm.
“Era ridículo”, dispara quando perguntado sobre os treinamentos e o dia a dia dos clubes. “Subíamos escadas e corríamos na avenida Beira-mar Norte, sobre o cimento, de kichute [antigo calçado feito com lona e sola emborrachada com travas]”.
“Hoje se corre o dobro numa partida (em torno de 14 quilômetros), os campos diminuíram de tamanho e o que conta é a condição física”, diz Badu, como é conhecido. “Com 50 quilos, eu era obrigado a carregar um zagueiro de 84 nas costas, durante os treinamentos físicos. Mas no meu tempo só jogava quem sabia, enquanto hoje entra quem é bem dotado fisicamente. As seletivas de jovens atletas levam em conta a estatura, e não a habilidade. O futebol virou show-business”, destaca Balduíno, que está com 71 anos.
Boas lembranças de um baiano que foi artilheiro no Avaí 256620
Um jogador com agem marcante pelo futebol catarinense foi o atacante Dão, campeão pelo Avaí na Série C do Brasileirão de 1998. Ele ainda lembra do trio elétrico e da multidão recebendo o time após a conquista do título, mesmo com derrota para o São Caetano-SP, na final, fora de casa.
“Não tem como esquecer”, afirma, ressaltando a qualidade daquele grupo, que tinha Altair, Régis, Fantick, o jovem Marquinhos Santos e outros.

Dão também ou pelo Figueirense, mas teve uma fratura na tíbia que o afastou dos gramados. Diz que saiu traumatizado, porque “não me deram tempo para a recuperação”, justamente quando o clube começava a se preparar para a grande fase do o e a manutenção por sete anos na Série A do Campeonato Brasileiro.
Antes de jogar no Estado, Dão havia sido vice-campeão brasileiro pelo Vitória, em 1993. Hoje, vive em sua cidade, Sento Sé, no interior da Bahia, onde desenvolve um projeto de preparação de atletas, que indica para vários clubes, incluindo o Avaí.
O maior artilheiro do país em 1999 ainda está próximo do Figueira 4t702n
Quem não lembra do ataque demolidor do Figueirense em 1999, quando Genilson fez os dois gols do título sobre o Avaí, na final realizada no estádio Orlando Scarpelli? Com Aldrovani, o atacante formou a dupla Geni-Al e marcou 26 gols, consagrando-se como o artilheiro de todos os estaduais do país naquele ano.
Genilson também atuou no Marcílio Dias e jogou no Málaga (primeira divisão espanhola), Coritiba, Santa Cruz e Fortaleza. Voltou a morar em Florianópolis em 2014 e é proprietário das escolinhas oficiais do Figueira, que funcionam fora do clube.
Sobre a parceria com Aldrovani, Genilson diz que os dois tinham características distintas, mas se entendiam muito bem. Ele foi treinado por técnicos como Paulo Bonamigo, Muricy Ramalho e Dorival Júnior – este, no Figueirense e no Fortaleza.