Como a psicologia influencia no rendimento do jogador de futebol 563v6s

- +
O Arena ND+ ouviu os clubes da primeira divisão do Campeonato Catarinense para entender como funciona o trabalho do psicólogo dentro de um time de futebol

Altos e baixos, além de uma mistura de emoções levando da euforia à tristeza. O futebol costuma mexer com os mais profundos sentimentos do ser humano, e com o atleta que pratica a modalidade e tem nela o seu ganha pão, não é diferente.

Relatos de depressão e ansiedade entre jogadores vem aparecendo nos últimos anos – Foto: Brusque FC/Divulgação/NDRelatos de depressão e ansiedade entre jogadores vem aparecendo nos últimos anos – Foto: Brusque FC/Divulgação/ND

Tanto quanto a forma técnica e física, o preparo mental do atleta é de suma importância para obter o melhor desempenho possível dentro das quatro linhas.

Esse preparo ajuda a lidar com as cobranças constantes dentro de um clube profissional, com falhas, derrotas e fases difíceis que inevitavelmente aparecem dentro do esporte.

“Vivi na pele e só fui diagnosticado porque senti no corpo, foi físico. Eu não dividia com ninguém, era muito retraído, nem com a minha esposa. Sempre fui muito ‘vim do interior, não tinha nada, por que estou triste? Vai melhorar’. Acho também prejudicou muito eu não externar para alguém mais próximo, procurar ajuda profissional”. O depoimento foi dado pelo ex-jogador Nilmar, com agens por Corinthians e Internacional, em entrevista ao canal do jornalista Duda Garbi no Youtube. O jogador conviveu com a depressão, que o fez deixar os gramados.

“Sofri muito com isso. Na época, eu estava no hotel e quis me suicidar. Me veio pensamentos ruins e eu queria saber como era me jogar do prédio. Então, eu gritei por socorro”, contou o atacante Michael, do Al Hilal, do período em que conviveu com a doença quando estava no Flamengo em 2020, em entrevista ao “Canal Barbaridade”.

A psicologia no esporte ganhou cada vez mais força nos últimos anos. Se já foi tratada como um “tabu” dentro do esporte, hoje clubes, jogadores e dirigentes entendem, em sua grande maioria, a importância de haver um profissional da área fazendo parte da equipe.

Qual a função de um psicólogo do esporte? 492w1p

“A psicologia clínica geralmente vem com uma demanda espontânea, a pessoa te procura e o foco geralmente é a doença. No esporte o foco é no rendimento pensando no bem estar de forma geral do atleta. O olhar é sobre as relações, detalhes, o clima do grupo, a cultura do grupo, como as pessoas se comunicam e com foco na performance”, explica Josielly Pinheiro Westphal, psicóloga do Avaí.

Josielly Pinheiro Westphal, psicóloga do AvaíJosielly Pinheiro Westphal, psicóloga do Avaí – Foto: Rafael Xavier/Avaí F.C/ND

O psicólogo do esporte lida desde a forma como o atleta se comporta diante de uma frustração, com as situações vividas em casa, a relação com o técnico e demais membros da comissão, relação com atletas, forma como se comunica e até mesmo como encara os treinamentos diários.

Para Francinéli Becker, psicóloga do Criciúma, a psicologia do esporte vai além de cuidar da saúde mental do atleta.

“Também atua desenvolvendo habilidades da parte mental como maior nível de confiança, manter-se concentrado por mais tempo e controle emocional de forma geral”, afirma.

Problemas mais recorrentes dentro do mundo do esporte 353s5k

Segundo Westphal, cada modalidade esportiva tem seus problemas mais recorrentes. Na ginástica, por exemplo, são mais comuns os problemas de autoimagem e distúrbios alimentares.

No futebol, na visão da profissional, a maioria dos relatos são de situações de depressão e ansiedade.

“Existe uma cultura no futebol onde o jogador é tratado como uma ‘mercadoria’, muito cobrado e com isso dificilmente a fala dele vai sendo validada. Até o atleta reconhecer que não está bem e ter alguém que fale isso para ele, isso é muito difícil”, explica a psicóloga.

“A psicologia está contribuindo mais e mais para o desenvolvimento dos atletas. É necessário ter a sensabilidade de conhecer o dia a dia, vivenciar o clube, o processo de trabalho, acompanhar tudo. A ansiedade, por exemplo, é um fator muito importante e recorrente”, explica Rafael de Liz, psicólogo do Barra.

O Arena ND+ procurou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para questionar se há dados sobre o número de atletas no País que relataram quadros de depressão ou ansiedade. No entanto, não houve retorno até o fechamento do material.

A reportagem do Arena ND+ também entrou em contato com os 12 clubes da primeira divisão do Campeonato Catarinense para questionar se há um psicólogo trabalhando dentro do clube. Dos 12, 10 retornaram o contato, destes, quatro possuem um profissional da área atuando com a equipe principal.

Atlético Catarinense 53353p

O Atlético Catarinense não possui um profissional da área da psicologia atuando no clube. Porém, tem a intenção de contratar um responsável durante a disputa do Campeonato Catarinense.

“Por conta da dificuldade de calendário, boa parte da comissão é temporária”, explica o clube.

“O Atlético se preocupa com os profissionais de psicologia, se preocupa com a questão da psicologia no esporte, mas no momento ainda não tem este profissional”, completa.

Avaí 4sr44

No Avaí, o trabalho da psicóloga Josielly Pinheiro Westphal é integrado ao da comissão técnica. Ela acompanha o dia a dia dos atletas entre treinamentos e jogos.

Antes do início da pré-temporada todos os atletas do clube, os que já estavam lá e os que foram contratados neste ano, aram por uma avaliação individual com a profissional.

“Procuro entender como o atleta chegou aqui. Um pouco da história dele, com quem ele mora, quantos anos ele tem, se tem filhos, se os filhos moram com ele ou não, se ele pratica algum tipo de religião ou crença, qual a expectativa dele em relação ao Avaí, o que tem de sonhos, se já teve alguma situação de transtorno psiquiátrico, se tomou alguma medicação, quais lesões já teve, além de como o mental dele se comportou quanto a isso”, explica.

Josielly Pinheiro Westphal, psicóloga do Avaí – Foto: Rafael Xavier/Avaí F.CJosielly Pinheiro Westphal, psicóloga do Avaí – Foto: Rafael Xavier/Avaí F.C

Além disso, outro ponto abordado na conversa é explicar como funciona o trabalho dela ao atleta.

No Leão da Ilha, as intervenções acontecem tanto a nível individual, como grupal. O clube implementou o chamado “treino mental”, que acontece de maneira semanal normalmente com Westphal e outro profissional da comissão técnica.

“O foco deste treino mental é em habilidades que os atletas precisam desenvolver. Neste trabalho sempre é alinhado o que os atletas precisam com o que a comissão técnica vai trabalhar naquela semana”, explica a psicóloga.

“O trabalho da última semana, por exemplo, era voltado para o foco no indivíduo e a confiança nos processos. Os momentos de treino mental tem como objetivo fazer o atleta se expor, se comunicar, que eles se conheçam entre si”, completa.

A profissional está indo para o quarto ano como psicóloga do esporte. Ela trabalhou no Figueirense de outubro de 2019 a agosto de 2022, até acertar com o Leão da Ilha.

Abordagens individuais 1i34a

Já as abordagens individuais acontecem por livre demanda, quando o atleta procura a psicóloga, ou quando a própria profissional identifica que precisa trabalhar com o jogador uma determinada situação e, por último, por solicitação de um membro da comissão técnica.

“Diferente da psicologia clínica, que foca mais no problema, nós focamos mais na saúde, na potencialidade: o que ele já faz bem e o que pode fazer ainda melhor, no sentido de desenvolver e oferecer o trabalho da psicologia como mais uma ferramenta para que possa desempenhar bem”, relata a profissional.

“As intervenções são breves e focadas a um objetivo em específico. Quando o jogador me procura, uso uma abordagem breve da terapia cognitivo comportamental com atendimentos de 15 a 20 minutos para tratar situações específicas”, explica.

Psicologia ainda é um ‘tabu’ para alguns jogadores? 6w2646

“Tenho o cuidado de no primeiro contato com o atleta explicar o motivo de eu estar ali, o que faço e como funciona o trabalho. O próprio fato de o Alex e demais membros da comissão participarem das atividades, isso valida muito o trabalho da psicologia”, afirma Westphal.

“Além disso, estou aqui todos os dias, acompanho todos os treinos, estou no ambiente deles [jogadores] o tempo todo: academia, fisioterapia, campo, almoço, café da manhã. Isso facilita muito”, conclui.

O trabalho é sempre de “meio-de-campo”, fazer uma ponte entre o atleta e o treinador, ou vice-versa.

“Nem sempre a intervenção vai ser minha, às vezes, de certa forma, vou capacitar outro profissional para lidar com aquilo. Se um atleta traz para o treinador uma situação que aconteceu com a esposa dele, mas ele não trouxe para mim, então eu iria me ‘atravessar’ na história, ele perderia a confiança no treinador sobre isso. Então nesse caso oriento o profissional a quem ele buscou que é a figura de confiança dele”, explica.

Barra o2c61

O Barra tem desde 2021 o psicólogo Rafael de Liz à frente do setor. O profissional relatou, em entrevista ao Arena ND+, que uma das grandes preocupações é com os atletas das categorias de base do clube.

“O atleta a a ter uma elevada pressão ao chegar a determinados patamares. Isso pode gerar um stress que leve ao abandono precoce no seu desenvolvimento esportivo. Principalmente na base temos a preocupação o lado psicopedagogo”, explica o profissional.

Rafael de Liz, psicólogo do Barra – Foto: Barra/Divulgação/NDRafael de Liz, psicólogo do Barra – Foto: Barra/Divulgação/ND

O Barra recebe garotos do Brasil inteiro para testes no clube. Eles chegam para um processo de avaliação e, a partir do momento em que são aprovados, precisam estar vinculados a uma escola.

“A CBF exige que todo clube que tenha o título de clube formador tenha psicólogos, assistentes sociais e pedagogas”, conta.

Quanto ao trabalho junto ao elenco profissional, Rafael explica que é necessário pensar nas próprias características de cada atleta. “Boa parte dos jogadores chega com contrato curto, mas com muita expectativa”, explica.

O objetivo do trabalho do profissional é criar mecanismos que “protejam” este atleta do stress além do próprio esporte. Este trabalho é desenvolvido in loco, acompanhando o dia a dia do clube, viagens, acompanhando treinos, além de discussões diárias com a comissão técnica.

“O objetivo é poder realizar atuações preventivas e de promoção do bem-star desse atleta e de tudo aquilo que está a sua volta considerando também que esse trabalho tem que olhar para a família dele”, relata o psicólogo.

“Hoje mesmo estava com um atleta do profissional onde ele trouxe como uma demanda que ele precisa de creche para o filho, não conhece nada na cidade. A nossa preocupação também vai além do fator motivacional”, prossegue.

Como são feitos os atendimentos no clube 471i1

O fluxograma para essa assistência é diversificado, vai desde o atleta que faz a busca individual ao psicólogo, mas também existe a busca ativa, a partir da identificação de que o atleta necessita de ajuda e é feita essa abordagem.

“Muitas vezes esse trabalho se dá na beira do campo, da piscina, durante um treinamento. O jogador não é levado para dentro de um conusltório como a psicologia clínica. É identificado o problema através da vivência diária”, explica Rafael.

Rafael durante palestra aos jogadores – Foto: Barra/Divulgação/NDRafael durante palestra aos jogadores – Foto: Barra/Divulgação/ND

Existe também o processo de encaminhamento, vindo da comissão técnica ou multidisciplinar, que vê que o atleta não está bem e o indica ao psicólogo.

Além disso, também é feito um trabalho grupal, especialmente em momentos específicos, como em jogos decisivos, por exemplo.

“Junto com o analista de desempenho procuro estar presente para identificar o perfil dos nossos adversários: se são mais provocativos, que podem criar situações que podem desestabilizar um determinado atleta, para já trabalhar em caráter decisivo de decisões dos nossos atletas”, explica.

Brusque 432y8

O Brusque não possui um psicólogo trabalhando no dia a dia do clube. Porém, quando “vê a necessidade” para que um atleta possa trabalhar um determinado assunto, o clube contrata um profissional para o acolhimento deste jogador.

Camboriú 2f4x6x

A reportagem entrou em contato com o Camboriú, mas não obteve retorno até o fechamento do material.

Chapecoense 4o6u3k

No Departamento de Futebol Profissional, o clube não possui profissionais da área diretamente vinculados ao seu quadro de colaboradores.

Em contrapartida, o clube afirma que conta com um psiquiatra parceiro, que presta o devido atendimento, bem como o acompanhamento e o e necessários diante de demandas pontuais – tudo com o respaldo do corpo médico da Chapecoense.

No Departamento de Futebol das categorias de Base – que contempla as categorias sub-15, sub-17 e sub-20 – há acompanhamento frequente de uma equipe multidisciplinar composta por uma psicóloga, uma assistente social e uma pedagoga.

“Cabe mencionar que a psicóloga da base acabou sendo desligada no último mês, mas a vaga em breve será preenchida, dando sequência a esse trabalho”, explica o clube.

Concórdia 2l6e17

O Concórdia não tem um profissional da área atuando no dia a dia. “Quando necessário, buscamos um profissional na cidade”, explica o clube.

Criciúma 4h5154

No Criciúma, a psicóloga Francinéli Becker é a responsável pelo dia a dia do clube. Em 2023, os trabalhos começaram já durante a pré-temporada, onde foram realizadas avaliações iniciais com cada jogador.

“Costumo dizer que todo atleta que chega ao clube traz consigo uma bagagem: situações que já ou, momentos bons, ruins, e como fez para lidar com as adversidades”, explica Becker.

Além disso, também são avaliados o nível de confiança e ansiedade para que o atleta possa garantir uma boa preparação mental no trabalho que vai tendo uma sequência no decorrer dos meses.

Francinéli Becker, psicóloga do Criciúma – Foto: Celso da Luz/Criciúma E.C/NDFrancinéli Becker, psicóloga do Criciúma – Foto: Celso da Luz/Criciúma E.C/ND

As intervenções são feitas de maneira individual ou coletiva, conforme a demanda daquela semana.

“Nos trabalhos em grupo é tratado como lidar com a ansiedade, como superar um resultado adverso, além de lidar com a sequência de jogos que realmente é muito intensa”, relata a psicóloga.

“O Criciúma conseguiu a manutenção de boa parte do elenco, o que acaba contribuindo já nesta relação jogador/psicólogo. Os atletas já tem um vínculo com o grupo, um com o outro, a gente também pensa na adaptação dos familiares”, prossegue.

“Estudos apontam que o insucesso de atletas muitas vezes a pela dificuldade de adaptação de familiares a um local diferente. Se você mantém boa parte desse elenco, é meio caminho andado”, conclui.

Figueirense 6o516h

A reportagem entrou em contato com o Figueirense, mas não obteve retorno até o fechamento do material.

Hercílio Luz 1l21o

No Hercílio Luz, o psicólogo Jamerson Dornelles é o responsável pelo dia a dia do clube.

Em entrevista ao Arena ND+, o profissional relata que no clube o trabalho é feito com medidas preventivas com questão de foco, frustração, derrotas, ganhos e também em questões particulares. Estes trabalhos são realizados de maneira grupal ou individual e constumam acontecer de maneira quinzenal.

Jamerson Dornelles, psicólogo do Hercílio Luz – Foto: William Lampert | Hercílio Luz FC | NDJamerson Dornelles, psicólogo do Hercílio Luz – Foto: William Lampert | Hercílio Luz FC | ND

“O trabalho com a comissão técnica é sempre próximo para poder conversar, entender o comportamento dos atletas, o da minha avaliação no sentido daquilo que é possível observar, sempre respeitando a questão do sigilo. O acompanhamento dos treinamentos é importante na observação de como o atleta lida com o dia a dia”, explica Dornelles.

ville 4t643b

Hoje o ville não tem um psicólogo ou um departamento volta para a área da psicologia. Júlio Cesar Nunes, técnico do clube, vê com bons olhos o trabalho de um profissional da área, mas entende que muitos clubes não tem alguém na área por diversos motivos, incluindo questões financeiras.

“Procuramos ser um pouco de psicólogo. O líder precisa ter um pouco disso em qualquer trabalho, precisa ser um pouco ‘pai'”, afirma o treinador.

“Gosto muito dessa liderança humanizada, olhar o ser humano, o atleta que é pai de família, filho, esposo. Temos no elenco jogadores com 22, 23 anos já com dois ou três filhos. Sabemos que se tem uma responsabilidade grande por esse atleta ter que corresponder a expectativa que ele mesmo coloca em si”, prossegue.

“Temos também a questão da parte psicológica do atleta quando ele se lesiona, precisamos dar esse amparo dos colegas, do líder, da comissão, porque ele vai ficar triste, se questionando nesse momento delicado da cabeça e terá que ter a parte mental forte para ar por essa adversidade, isso às vezes demora, é difícil, ainda mais em casos de lesões graves”, completa.

Marcílio Dias r5f4m

O Marcílio Dias não possui um psicólogo ou um departamento dedicado a esta área. “Infelizmente nossos investimentos hoje não são voltados para esta área, pois estamos estruturando outros setores. O acompanhamento é feito muito através da gestão de pessoas, com a comissão técnica e diretoria muito presente no dia a dia”, explica o clube.