Pão, cerveja, arte e elas: como mulheres alavancam mulheres por meio do empreendedorismo em SC t175r

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Santa Catarina tem 484 mil empresas lideradas por mulheres, sendo 91% pequenos negócios, como a padaria Pão à Mão, o selo Lambe e a Cervejaria Nefasta

Elas manipulam a massa, compram a arte, vendem o pão e lucram com a cerveja. Empresas sob gestão feminina representam 38% dos negócios em Santa Catarina. Essas líderes priorizam a contratação e a promoção de mulheres em um movimento que alavanca empreendedoras e emprega profissionais.

Júlia Arruda Macedo é a proprietária da Pão à Mão, uma padaria de Florianópolis composta 100% por mulheresJúlia Arruda Macedo é a proprietária da Pão à Mão, uma padaria de Florianópolis composta 100% por mulheres – Foto: Germano Rorato/ND

A busca por pertencimento, respeito, independência econômica e representatividade motivou negócios como a padaria Pão à Mão, o selo Lambe e a Cervejaria Nefasta. Esses três negócios de Santa Catarina são liderados por mulheres e contam com um quadro de funcionárias formado inteiramente ou predominantemente por elas.

Conforme dados do Observatório do Sebrae de 2023, Santa Catarina tem 484 mil empresas lideradas por mulheres, sendo 91% pequenos negócios. Os dados do observatório mostram que mulheres sustentam um pequeno negócio por em média uma década, período quatro anos superior às empresas de mesmo porte geridas por homens.

Mesmo com o potencial apontado pelas pesquisas, de acordo com dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do primeiro trimestre de 2024, 4,8% das mulheres acima de 14 anos e aptas ao trabalho estão desempregadas. A taxa é superior à de homens, que corresponde a 3,1%.

A busca por representatividade é o que motiva parte das empresárias catarinenses a priorizar funcionárias em ramos culturalmente dominados por homens. É o caso da padaria Pão à Mão, criada em Florianópolis por Júlia Arruda Macedo, 30 anos, que tem um quadro de funcionárias composto 100% por mulheres.

Usar a inteligência em prol da força física 545ax

Formada em istração e Gastronomia, Júlia descobriu seu amor pela panificação de fermentação natural ao fazer um curso sobre o assunto em 2015. Foi em um quarto vago na casa dos pais, com uma masseira e um serviço de delivery de pão às sextas-feiras, que nasceu a padaria Pão à Mão.

A mudança para um local físico aconteceu no final de 2016, após Júlia ver os pedidos crescerem a ponto de ela precisar varar madrugadas batendo massa em um quarto para garantir as entregas, enquanto seus familiares tentavam dormir.

Logo no início, quando precisou contratar três funcionárias, Júlia decidiu que seu negócio seria protagonizado por mulheres. Atualmente, ela lidera uma equipe de 22 profissionais.

“Existe uma resistência. Muitos pensam: ‘Você não vai conseguir carregar farinhas e bater massa, é um trabalho pesado’. De fato, é um trabalho pesadíssimo fisicamente e cansativo, a gente sabe. Mas a gente usa a inteligência em prol da força e carrega o saco de farinha em duas. Todo mundo tem força, todas têm”, destaca ela.

Pão à Mão é uma padaria 100% composta por mulheres - Germano Rorato/ND
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Pão à Mão é uma padaria 100% composta por mulheres - Germano Rorato/ND
Júlia Macedo coordena uma equipe de 22 funcionárias - Germano Rorato/ND
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Júlia Macedo coordena uma equipe de 22 funcionárias - Germano Rorato/ND
Todas as funcionárias da Pão à Mão são mulheres - Germano Rorato/ND
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Todas as funcionárias da Pão à Mão são mulheres - Germano Rorato/ND
Padaria começou com delivery de pães às sextas-feiras - Germano Rorato/ND
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Padaria começou com delivery de pães às sextas-feiras - Germano Rorato/ND
A Pão à Mão é uma padaria de fermentação natural localizada no bairro Santa Mônica, em Florianópolis - Germano Rorato/ND
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A Pão à Mão é uma padaria de fermentação natural localizada no bairro Santa Mônica, em Florianópolis - Germano Rorato/ND

“Mulheres estão ali para girar a própria economia” 3o7114

Paula Bernardes, de 29 anos, conta que a ideia de organizar uma festa  voltada para mulheres em Florianópolis surgiu a partir da necessidade de arrecadar dinheiro para pagar contas inesperadas no final de 2019.

Foi nessa época que a Lambe, um selo que promove eventos protagonizados por mulheres, foi criada.

A marca se tornou uma empresa quando viram que o modelo de negócio tinha procura. Foi então que, no final de 2023, Paula, Amanda Aguiar, Mariana Smania, Manuella Dorneles e Julia Brustolin se tornaram sócias da produtora.

Com o próximo bazar programado para acontecer em 15 de junho, na Galeria Lama, no Centro de Florianópolis, o selo criado pelas cinco amigas já coleciona vários eventos protagonizados por mulheres em cinco anos.

“Cada vez mais pessoas se interessam e isso é bem legal porque no final das contas são mulheres que estão ali para girar a própria economia”, pontua Paula.

Paula Bernardes conta como ela e quatro amigas tiveram a ideia de criar a Lambe – Foto: Gabriela Ferrarez/NDPaula Bernardes conta como ela e quatro amigas tiveram a ideia de criar a Lambe – Foto: Gabriela Ferrarez/ND

Indomadas: empreendedoras criam oportunidades para alavancar mulheres 4l4m40

Indomada, clandestina, refugiada, desertora e pistoleira: são vários os nomes utilizados para batizar os rótulos produzidos pela Cervejaria Nefasta, deusa da destruição na mitologia romana. O nome, dado à cervejaria criada por Gabriela Arcari Drehmer, de 33 anos, junto à sua família, com o objetivo é subverter adjetivos pejorativos dados a mulheres transgressoras.

“O feminino no mundo da cerveja, às vezes, é uma cilada muito grande porque a mulher é sempre usada como um objeto para vender um produto. Então, a gente sempre tem essa impressão, que infelizmente não é só uma impressão. A de que os homens muitas vezes usam a imagem da mulher apenas para um fim. Mas o dinheiro vai para o homem. O que a gente quer é subverter a imagem da mulher na cerveja”, explica Gabriela.

Gabriela Arcari Drehmer está à frente dos bares da Cervejaria Nefasta, negócio criado por ela e sua família – Foto: Gabriela Ferrarez/NDGabriela Arcari Drehmer está à frente dos bares da Cervejaria Nefasta, negócio criado por ela e sua família – Foto: Gabriela Ferrarez/ND

A cervejaria criada em 2016 conta com uma fábrica em São José, na Grande Florianópolis, e é gerenciada pelo irmão de Gabriela, que fabrica as cervejas. A família também toca dois bares em Florianópolis e oferece serviço para eventos privados.

Gabriela comanda os bares, em que prioriza a contratação de mulheres. Segundo ela, a conduta se estende ao istrativo, à venda e à fabricação de cerveja.

“O objetivo é a gente abrir as portas para as mulheres que não tinham espaço dentro do mercado cervejeiro ”, fala.

De acordo com o Observatório do Sebrae, divulgado em 2023, a maioria das empreendedoras catarinenses têm ensino superior completo, totalizando 29,1%. Apesar de o nível de escolaridade entre as mulheres ser maior que entre os homens, (que em maioria tem até o ensino médio completo), mulheres ainda representam a maior parcela da população desempregada de Santa Catarina.

A sensação de que, apesar de capazes, mulheres não desfrutam do espaço no mercado de trabalho também é compartilhada por Paula Bernardes. Ela e as demais proprietárias da Lambe são mulheres lésbicas e encontram na marca uma maneira de alavancar negócios femininos.

“A ideia principal é sempre colocar essas mulheres em papel de destaque e visibilidade. O que percebi ao longo do tempo foi que essas pessoas sempre fizeram isso [trabalharam], mas elas nunca estavam em lugar nenhum”, disse Paula.

Julia Brustolin, uma das sócias da Lambe, mostra os produtos da sua marca, chamada Brustozines - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
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Julia Brustolin, uma das sócias da Lambe, mostra os produtos da sua marca, chamada Brustozines - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
Foto mostra a trancista Leticia Sousa, da Afronte Black, fazendo tranças durante o bazar da Lambe em março de 2024 - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
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Foto mostra a trancista Leticia Sousa, da Afronte Black, fazendo tranças durante o bazar da Lambe em março de 2024 - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
Bazar é voltado para empreendedoras mulheres - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
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Bazar é voltado para empreendedoras mulheres - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
Próxima edição do bazar da Lambe ocorre em 15 de junho, na Galeria Lama - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
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Próxima edição do bazar da Lambe ocorre em 15 de junho, na Galeria Lama - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
Bazar apresenta empreendedoras mulheres e já recebeu brechós, venda de produtos artesanais, artes e serviços - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND
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Bazar apresenta empreendedoras mulheres e já recebeu brechós, venda de produtos artesanais, artes e serviços - Mariana Smania/Lambe/Reprodução/ND

“Cada degrau de segregação vai te deixando um pouquinho mais no cantinho. Então se você é mulher é mais difícil. Se é uma mulher se relacionando com mulheres é ainda mais complicado”, complementa.

“Se mulheres escolhem priorizar outras mulheres é porque dá lucro”, aponta especialista 2yt41

Um estudo realizado pelo Mckinsey Global Institute aponta a correlação entre mais mulheres empregadas e o crescimento econômico de um país. A pesquisa mostra que promover a igualdade de condições de trabalho poderia acrescentar 30% ao PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil.

Segundo o estudo, mulheres costumam gerar emprego e oportunidades para outras mulheres, o que contribui com o desenvolvimento econômico. Questionada sobre o porquê de mulheres priorizarem trabalhar com mulheres, Marina Barbieri, coordenadora do programa Sebrae Delas, crava.

“Porque isso é um negócio, porque vale a pena, porque é uma boa oportunidade. Todos os negócios só devem existir se eles trouxerem lucro, senão é uma organização sem fins lucrativos, o que tá tudo bem também. Mas se essas mulheres estão escolhendo modelos de negócios que priorizam outras mulheres, é porque dá certo. Dá lucro”, garante.

“Mulheres precisam ter liberdade”, aponta empreendedora z6j38

Além da Pão à Mão, Júlia Macedo é também proprietária da Café à Mão. E tem no seu quadro de funcionárias Melissa Rocha, a primeira mulher especialista em torra de café de Santa Catarina.

A empreendedora também prioriza mulheres entre seus fornecedores. Para isso vai periodicamente para São Gonçalo do Sapucaí, no interior de Minas Gerais.

“Lá na ponta essas mulheres precisam ter liberdade. Elas precisam ter independência financeira. Escolhemos trabalhar com produtoras que têm cartão de produtores. Isso significa que ela tem que ter alguma terra no nome dela, arrendada, alugada ou emprestada. Mas você tem que ter alguma coisa no seu nome. Então é uma produtora que terá uma conta no banco, que terá um espaço, um protagonismo naquela fazenda”, explica.

Apesar da iniciativa, ainda assim, os obstáculos existem, garante Júlia.

“A mulher tá ali falando comigo, mas chega na hora de dar preço ou de negociar aparece o marido. Eu falo ‘não, deixa ela, eu vou negociar com ela’. Eu só vou comprar se eu estiver comprando dela”, ressalta.

A Café à Mão também prioriza pessoas do gênero feminino no quadro de funcionários – Foto: Germano Rorato/NDA Café à Mão também prioriza pessoas do gênero feminino no quadro de funcionários – Foto: Germano Rorato/ND

Marina, do Sebrae Delas, acrescenta que o programa incentiva e apoia o empreendedorismo feminino por meio de três pilares: desenvolvimento comportamental, empresarial e geração de negócios.

“Uma incentiva a outra, ou seja, se a gente vê uma mulher no palco, a gente pensa ‘se ela pode eu também posso’. Cria um ambiente seguro, sem julgamento, onde ela pode se sentir à vontade para compartilhar a história dela. Então aos pouquinhos ela vai ganhando essa segurança própria para que ela possa também estar à frente do negócio dela, mas é uma jornada não é nada muito simples”, afirma.

Uma pesquisa feita pelo Infojobs em março de 2024 apontou que 83% das mulheres afirmaram viver uma dupla jornada de trabalho. Isso porque, além do emprego, elas eram responsáveis pelas atividades domésticas e cuidado com crianças e idosos da família.

Mãe e responsável por uma equipe 100% feminina, Marina afirma que tem uma compreensão maior das capacidades e desafios enfrentados por profissionais mulheres.

“Mulheres que já são mães ou que gerenciam um lar têm competências pessoais que muitas vezes são aplicadas diretamente ao negócio. Nosso propósito é potencializar ainda mais essas habilidades”, finaliza.