Entidades representativas do livro no Brasil, leitores e editoras estão preocupados com a possível alta no valor dos livros. A proposta de reforma tributária, que já teve a primeira fase apresentada em julho, deve impactar, principalmente, o setor editorial brasileiro se for aprovada da forma como pretende o governo.

O projeto vai retirar a isenção de contribuições para o mercado de livros e aplicar a esse produto uma alíquota de 12%. Com isso, o setor já prevê um aumento de 20% no preço dos exemplares e uma possível queda de vendas e arrecadação.
A mudança está na criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), proposta pelo governo para substituir o Pis/Pasep e a Cofins, que são contribuições (cobranças que, diferentemente de impostos, têm um destino específico, como um fundo destinado aos trabalhadores).
Hoje, o mercado do livro é isento dessas contribuições pela Lei 10.865, de 2004. Além disso, a Constituição prevê que o produto é isento de imposto.
Impacto nas editoras 553x1d
Para Marcelo Labes, escritor e editor da Caiaponte Edições, baseada em Florianópolis, a taxação sobre a comercialização de livros pode fazer mal às grandes companhias editoriais, mas dificultará ainda mais a produção das pequenas editoras que, segundo ele, mais têm alcançado público no país.
“O setor de editoras independentes tem enfrentado diversas e seríssimas dificuldades durante a pandemia. Não era simples antes comercializar livros, mas agora o cenário é realmente preocupante, sobretudo com a interrupção de lançamentos e eventos acerca da cultura do livro”, diz Labes.
O editor cita que dentre as dificuldades enfrentadas antes estão a concorrência com grandes corporações como a Amazon e as taxas cobradas por livrarias.
A tributação, conforme Labes, dificulta a produção de livros pelas editoras que tentam se sustentar com a edição e o comércio desses itens, ainda que o mercado venha dando sinais de recuperação.
“O governo se vale da pandemia – e do isolamento – para tributar quem está, aparentemente, mais fragilizado. Ataca atrás de migalhas um setor que tenta se sustentar através da venda de livros e da formação de público leitor”, conclui.
Livro como produto de elite 1q2z3v
Questionado sobre a mudança no mercado de livros, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em audiência na Câmara dos Deputados no início de agosto que a reforma acaba com diversas isenções de tarifa, e que o tributo zero sobre livro acaba isentando quem pode pagar.
A postura que indica o livro como um produto de elite provocou críticas de entidades do setor. Segundo José Ângelo Xavier de Oliveira, presidente da Abrelivros (Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional), o livro é um produto consumido por diferentes públicos e classes sociais e não pode ser tratado como um item de ricos.
Ele estima um aumento de 20% no preço final dos livros e queda nas vendas de um setor que já sofre com mudanças de comportamento dos consumidores e com o crescimento dos livros virtuais.

“A gente entende que é um impacto gigante para as livrarias. Muito preocupante. Para um mercado que vem fragilizado nos últimos anos. As duas principais livrarias entraram em recuperação judicial [Cultura e Saraiva]”, afirma.
Oliveira diz que a pandemia acentuou a crise, obrigando livrarias a dependerem em boa parte das vendas online.
“Isso até funciona quando a pessoa quer um livro específico. Mas o grande atrativo do livro é o espaço de exposição, é a pessoa poder sentar e folhear”, afirma. O empresário diz ser favorável a uma reforma tributária que simplifique o sistema de impostos, mas sem afetar o setor em que atua.
Campanhas mobilizam as redes t4c3d
A campanha #defendaolivro está mobilizando editores, escritores e leitores nas redes sociais e em abaixo-assinados virtuais. Além disso, a Abrelivros assinou um manifesto junto com outras sete entidades do setor apontando o risco da mudança e os benefícios trazidos pela isenção determinada por lei em 2004.
“Isso permitiu uma redução imediata do preço dos livros nos anos seguintes e um crescimento de 90 milhões de exemplares vendidos. Os fatos demonstram claramente a correlação entre crescimento econômico, melhoria da escolaridade e aumento da ibilidade do livro no país”, afirma o texto das entidades.
De olho na recessão e pensando em auxiliar autores, editoras e livrarias independentes afetadas pela Covid-19 no Brasil, a plataforma Catarse promove a campanha “+Livros”. A ação já soma mais de R$ 485 mil em doações e foi financiada no dia 19 de agosto. A meta, no entanto, é alcançar R$ 750 mil.
Público leitor m15k
O estudante e produtor de conteúdo literário Emanuel Silva aderiu a campanha #defendaolivro. Criador do projeto Sebo Velho, presente no YouTube e no Instagram, ele diz que a taxação reforça as desigualdades e distancia ainda mais a população brasileira da leitura.

“Se um dos pressupostos básicos da política é o investimento na educação, a reforma tributária vai à contra mão disso, desviando a responsabilidade para o mercado editorial – já fragilizado – e os leitores”, afirma.
Como produtor de conteúdo, Emanuel prevê que a alta no valor dos livros pode afetar o engajamento do público. No entanto, ele não pensa em deixar o projeto de lado. “É algo que gosto muito. A ideia sempre foi compartilhar esse hábito que tenho com as pessoas. Quero que elas vejam o quão bom e prazeroso é o hábito da leitura”.
Para a jornalista Luisa Oliveira, que comanda o canal de conteúdo literário Estante de Madeira, taxar um item que já não é muito ível, vai trazer ainda mais desigualdade social e dificultar a busca por informação de qualidade. Além disso, a taxação afetará, sobretudo, o autor que só ganha 10% sobre o volume vendido.
Tanto Emanuel, quanto Luisa, acreditam que deve haver mobilização por parte da sociedade para que a proposta não avance. O estudante ressalta que a tributação pode aumentar a procura por alternativas para além do mercado editorial e da Amazon, como os sebos e a troca de livros entre o público leitor.
Pesquisa aponta menos leitores 3c4z6a
No dia 11 setembro, foram divulgados os resultados da 5ª edição da “Retratos da Leitura no Brasil”. O estudo realizou 8.076 entrevistas domiciliares em 208 municípios do Brasil, entre os meses de outubro de 2019 a janeiro de 2020. O público-alvo foi a população brasileira residente com 5 anos e mais, alfabetizada ou não.

A pesquisa, realizada antes da pandemia de Covid-19, mostrou uma diminuição de cerca de 4,6 milhões de leitores no país. No entanto, houve um aumento de leitores na faixa dos cinco aos 10 anos.
O estudo também apontou que o brasileiro lê, em média, cinco livros por ano e que houve um aumento de 80% no consumo de livros digitais.
*Com informações do Portal R7