Viva Açores: A diáspora e os açorianos como cidadãos do mundo x6dw

Se nos séculos 17 e 18 o destino principal era o Brasil, com levas para a foz do rio Amazonas, SC e RS, nas últimas seis décadas houve grandes deslocamentos rumo à América do Norte 3p4b5f

A extensão da diáspora açoriana pode ser medida pelos números. Para uma população em torno de 250 mil habitantes nas nove ilhas do arquipélago, calcula-se que 1,5 milhão de nativos dos Açores e seus descendentes esteja morando atualmente em outros países e continentes – mais de 300 mil deles apenas na Califórnia (EUA). Se nos séculos 17 e 18 o destino principal era o Brasil, com levas para a foz do rio Amazonas, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, nas últimas seis décadas houve grandes deslocamentos rumo à América do Norte.

“Há mais de 400 anos, para onde vamos, levamos nossas ilhas conosco; nossa casa é o mundo inteiro”, disse o diretor regional das Comunidades Açorianas, José Andrade, em entrevista recente à NDTV, falando sobre o caráter aventureiro dos povos das ilhas.

Mais de 300 mil açorianos estão na Califórnia (EUA) – Foto: Divulgação/NDMais de 300 mil açorianos estão na Califórnia (EUA) – Foto: Divulgação/ND

Essa vocação para fazer-se ao mar vem de longe e inclui também o movimento contrário, ou seja, a chegada de pessoas de outras nacionalidades aos Açores. São cerca de 4.500 cidadãos estrangeiros – 1.000 deles do Brasil – residindo ali, oriundos de 95 países diferentes, atraídos pela atual prosperidade do arquipélago.

Mas as saídas são muito maiores e antigas: é de 1549 a primeira carta pedindo gente para povoar Salvador da Bahia, durante muito tempo a principal cidade da colônia. Dali para frente, houve migrações para lugares tão díspares quanto Havaí e República Dominicana, ando pelas Bermudas, Curaçau, Argentina, Uruguai, Venezuela e Nova Zelândia. Estados Unidos e Canadá foram o boom dos deslocamentos dos anos 1950 para cá.

Independente da direção tomada, os imigrantes levam suas tradições, sua forte religiosidade e uma obstinação pela busca de melhores condições de vida. “A diáspora é uma migração forçada”, diz o professor Luiz Nilton Corrêa, que morou durante sete anos nos Açores e ainda tem vínculos com as ilhas. Mas a migração é vista como uma oportunidade de ascensão social – no ado, pelo o a terras próprias, hoje por chances que são vedadas à maioria na terra de origem. As saídas registradas na segunda metade do século 20 explicam porque a população das ilhas diminuiu em cerca de 100 mil pessoas – contingente que se dirigiu, prioritariamente, para as costas americanas e canadenses do Pacífico e Atlântico.

Professor Luiz Nilton Corrêa morou durante sete anos nos Açores e ainda tem vínculos com as ilhas – Foto: Divulgação/NDProfessor Luiz Nilton Corrêa morou durante sete anos nos Açores e ainda tem vínculos com as ilhas – Foto: Divulgação/ND

Pobreza e terremotos

A pobreza, os limites impostos pela geografia e os terremotos sempre foram fatores que empurraram os açorianos para outras plagas. Ponto de agem e presença de corsários e piratas, o arquipélago também assistiu a violências e à escravização frequente de seus habitantes.

No livro “Açorianos em São Domingos – Saga dos migrantes micaelenses na República Dominicana – 1940”, Luiz Nilton afirma que “o deslocamento populacional é um fenômeno tão presente na história dos Açores quanto a própria existência das ilhas, desde seu povoamento por gentes vindas de várias partes de Portugal e de outros países europeus”.

Quando o sucesso precisa ser mostrado

Se no Brasil, a partir de 1748, a intenção do governo português era ocupar o território diante da ameaça espanhola (como no Maranhão, um século antes, a meta era frear a ofensiva sa), as migrações recentes para a América do Norte tiveram motivações mais pontuais. Hoje, há milhares de nativos dos Açores e seus descendentes em cidades nos estados americanos da Califórnia, Massachusetts e Nova Inglaterra. No Canadá, há comunidades de açorianos nas regiões de Ontário, Quebec, Manitoba, Alberta e Colúmbia Britânica. Ali há clubes e igrejas que mantêm vivas as tradições do arquipélago.

“A festa do Divino Espírito Santo não é apenas religiosa, mas identitária”, diz Luiz Nilton Corrêa ao falar de uma manifestação que segue os açorianos para onde quer que se mudem. No entanto, a maioria saiu das ilhas para subir na vida, e há os que voltam, depois de alguns anos, para mostrar a riqueza e o status alcançados. Outros retornam para as festas são-joaninas (de São João), do Santo Cristo dos Milagres e do Divino Espírito Santo fornecendo capas e trajes dos santos cobertos de brilhantes – senha que indica êxito financeiro.

Tradição é mantida em território americano – Foto: Divulgação/NDTradição é mantida em território americano – Foto: Divulgação/ND

Em todos os países da diáspora, as Casas dos Açores, com apoio da Direção Regional das Comunidades, funcionam como consulados informais do arquipélago, com projetos, eventos e programações que difundem a história e a cultura açorianas.

Êxito como empresários, sem esquecer as tradições

Radicado há 53 anos na Califórnia, o professor açoriano Diniz Borges, nascido na ilha Terceira, confirma que há mais conterrâneos seus no oeste americano do que no arquipélago português. É uma história de 150 anos que começou com as demandas da indústria baleeira e a corrida do ouro e se estendeu a atividades como a agricultura, a indústria dos lacticínios e a pesca do atum, “penetrando praticamente em todas as zonas geográficas deste colossal estado”.

Os açorianos e seus descendentes estão em mais de 500 cidades americanas, a partir de duas grandes ondas migratórias – de 1870 a 1921 e, mais recentemente, a partir de 1958, após a erupção do vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial, quando o presidente John Kennedy abriu as portas para os ilhéus assustados com os desastres naturais no arquipélago.

Diniz Borges confirma que há mais conterrâneos seus no oeste americano do que no arquipélago português – Foto: Divulgação/NDDiniz Borges confirma que há mais conterrâneos seus no oeste americano do que no arquipélago português – Foto: Divulgação/ND

“Desde que chegaram, no século 19, os açorianos criaram espaço para as suas tradições, particularmente as de índole religiosa e popular”, diz o professor Borges, morador da cidade de Fresno. “A Califórnia já teve cerca de 180 irmandades com festejos ao Espírito Santo, e hoje ainda se realizam perto de 100. Os festejos ao Divino são a maior expressão da açorianidade, mas existe ainda um amálgama de associações e clubes nos quais as várias gerações encontram espaço para continuarem com as tradições dos seus antecessores. Estas manifestações não só servem como força congregadora, como também são um elo importante entre a cultura açoriana e o multiculturalismo da Califórnia”.

Em terras americanas, o culto ao Divino tem nuances próprias. Destaque para as rainhas das festas, os séquitos reais, os bailes de gala e os desfiles mais profanos – que, de acordo com o professor Borges, não reduziram a crença das pessoas. “Até nas novas gerações há uma fé que lhes foi ada pelos pais, avós e bisavós”, afirma. Além disso, há outras manifestações que reproduzem as práticas na Região Autônoma, como a festa de Nossa Senhora dos Milagres na cidade californiana de Gustine, que atrai milhares de pessoas, os festejos de Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora da Assunção e Santo António, todas de grande apelo popular.

Na zona de San Diego, no San Joaquim Valley, no Silicon Valley e em cidades como San Francisco e Sacramento, há muitos açorianos que trabalham ou empreendem, atuando como empresários na pesca, na pecuária e na construção civil. E os açor-descendentes também estão na política, nas empresas de tecnologia, no ensino, nas artes e na ciência. De sua parte, o professor Diniz Borges diz que ainda se sente um açoriano. “Na realidade, respiro os Açores todos os dias”, ressalta.

O velho fenômeno da escravidão

Em muitos casos, não se pode descartar a palavra escravidão para definir o regime de trabalho a que se submeteram os açorianos em suas jornadas pelo mundo. No caso da República Dominicana, nos anos de 1940, o grupo deslocado foi pequeno, mas duas pessoas morreram de fome e outras sofreram privações que só foram descobertas a partir de cartas enviadas a familiares denunciando as condições de vida dos imigrantes sob o regime do ditador Leonidas Trujillo.

Em “Açorianos em São Domingos”, o pesquisador Luiz Nilton Corrêa fala da crise que se instalou durante a 2ª Guerra Mundial, quando a ilha de São Miguel, grande produtora de ananás, perdeu os mercados da Alemanha e Inglaterra. Sem trabalho, cerca de 100 micaelenses se aventuraram num projeto megalomaníaco de recepção de refugiados que fracassou e deixou os imigrantes ainda mais pobres do que eram antes. A comunidade internacional precisou intervir para repatriar os açorianos em dificuldades na América Central.

A escravização de estrangeiros é um fenômeno antigo, prática comum durante o Império Romano e que na Península Ibérica, já no século 18, afetava indivíduos originários da China, Arábia e Turquia. No Brasil, desde os bandeirantes, chamados de “diabos brancos”, era praxe capturar índios para torná-los escravos.

Na ânsia de tentar outra vida, açorianos ajudaram na conquista do oeste americano (o faroeste) e desembarcaram nas Bermudas para plantar cana de açúcar. Sem estudos e formação, com experiência apenas na agricultura, muitos trabalhavam em condições extremamente precárias. E houve os que voltaram para retomar as lides da agricultura. Uns pobres, fracassados; outros aposentados, saudosos da antiga vida nas ilhas de seus anteados.

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