O jornalista Paulo Clovis Schmidt publicou hoje no Noticias do Dia reportagem atualizada sobre a história de Santa Catarina de Alexandria e o Mosteiro que lhe dá o nome no Monte Sinai, Egito. Ali estão seus restos mortais, integralmente preservados há séculos.
O texto: “O que Alexandria, cidade localizada no delta do rio Nilo, e o Estado de Santa Catarina têm em comum? Desde que o navegador veneziano Sebastião Caboto deu à ilha onde fica a atual Florianópolis o nome da santa egípcia, na primeira metade do século 16, existe um vínculo histórico e religioso entre estes dois pontos distantes do mapa mundi.

Sempre houve uma dúvida acerca da origem do nome do Estado, por conta de versões que faziam referências à mulher de Caboto, Catarina Medrano, como a figura que batizou a então chamada Ilha dos Patos, posto de reabastecimento e conserto de embarcações no litoral sul do Brasil. No entanto, a maioria dos historiadores descarta esta possibilidade e aposta que a ilha (e depois o Estado) ganhou esta denominação em homenagem à egípcia transformada em santa após ser decapitada no dia 25 de novembro do ano 305 da era cristã.


Sabedoria a serviço da fé cristã
Se existem telas, gravuras, afrescos e esculturas de Santa Catarina de Alexandria em várias partes do mundo, Florianópolis não poderia ficar para trás. Há uma imagem dela na catedral metropolitana e um mural na praça Tancredo Neves feito pelo pintor e poeta Rodrigo de Haro (também autor do livro “Memória de Santa Catarina”, de 1992), falecido em julho deste ano. A capela do Colégio Catarinense, também na Capital, tem o nome de Santa Catarina de Alexandria (é padroeira do estabelecimento), e uma imagem dela também pode ser vista na porta de entrada. E uma relíquia trazida do monte Sinai ornamenta a capela ecumênica do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no aterro da baía Sul.
No mosaico de Rodrigo de Haro é informado que Ekaterina, seu nome de batismo, descendia de uma casa nobre – era filha do rei Costus e da rainha Sabinela. Sua mãe a apresentou à corte egípcia, instalada em Alexandria, capital do Oriente à época, sede de uma famosa biblioteca e do farol citado como uma das sete maravilhas do mundo antigo. O cristianismo florescia e, ao mesmo tempo, enfrentava forte perseguição do império dominante, temeroso de perder sua hegemonia.
Depois de aderir ao cristianismo, por influência de um eremita que a instruiu na fé, e do posterior batismo, Sabinela tentou transformar a filha Catarina em discípula de Cristo, mas ela resistiu. As orações do eremita e da mãe teriam feito com que, em determinado momento, a jovem pagã concordasse em se converter. Batizada, ou a usar o conhecimento adquirido como filha da nobreza para fazer um apostolado da religião que abraçou. Na defesa da crença em um Deus único, foi-lhe útil o que aprendeu nos estudos de filosofia, ciências, astronomia, retórica, música e poesia. À erudição juntou-se a beleza física, e Catarina impressionou doutores e foi cortejada por príncipes, reis e imperadores de seu tempo.
A entrega da vida em nome da crença
Todas as crônicas sobre a curta vida de Santa Catarina de Alexandria ressaltam suas discussões com os próceres do Império Romano, que radicalizaram as perseguições aos cristãos, sobretudo a partir do imperador Diocleciano e seus sucessores. Igualmente marcantes são os relatos sobre o martírio da jovem, resultado da decisão de desafiar as maiores autoridades romanas e seu paganismo. O imperador Maximino, que reinava na parte oriental do império, queria Catarina em seu palácio, onde imaginava poder conter suas pregações em defesa do cristianismo em expansão.
Na obra de Moacir Pereira, chama a atenção um relato dos embates entre Catarina e o imperador, descritos pelo pesquisador britânico Willian Ryan em livro publicado em 1983. Maximino convocou dezenas de mestres da lógica e da retórica do reino para que argumentassem com a jovem rebelde na corte de Alexandria. Com muita habilidade, ela contradisse os oradores e suas teses e no final os convenceu a se converterem ao cristianismo. Todos foram lançados às chamas por ordem do imperador. Conta a história que, por milagre, eles morreram, mas não tiveram os cabelos e as vestes queimadas.
Trancafiada numa cela por 12 dias, ando dores e fome, Catarina recebeu a visita da imperatriz Augusta e a converteu, assim como ao capitão da guarda que a acompanhava e a dezenas de soldados do reino. Maximino mandou mutilar e matar a mulher e ainda insistiu em que Catarina se tornasse moradora do palácio, usufruindo de todas as benesses decorrentes de sua decisão. Ela disse não à proposta e afirmou que preferia servir a um senhor “poderoso, eterno, glorioso e honrado” (referindo-se a Jesus Cristo) a escolher um “fraco, mortal, ignóbil e feio”.
O imperador não viu outra saída que não fosse a tortura da jovem cristã. O instrumento escolhido continha rodas com serras de ferro e pregos que estraçalhariam seu corpo – uma morte terrível e capaz, na crença de Maximino e seus áulicos, de intimidar o restante dos cristãos, minando sua fé. Um anjo teria destruído o engenho e provocado a morte de mil pagãos. Catarina foi então condenada à morte por decapitação. Relatos dão conta de que após o golpe fatal do carrasco fluiu leite, e não sangue, de seu corpo, que foi levado pelos anjos até o monte Sinai.
Relíquias vieram do Sinai para Florianópolis
O capítulo que fecha o livro de Moacir Pereira trata de relíquias de Santa Catarina de Alexandria trazidas do monte Sinai para Florianópolis no ano 2000. São dois pedaços da costela da santa que estão expostos na capela do Tribunal de Justiça do Estado e na igreja de São Nicolau, da comunidade grega ortodoxa da Capital. O processo para a transferência dessas relíquias envolveu negociações do governo do Estado com o arcebispo Damianós, que istra o monastério do Sinai, e a interferência do falecido monsenhor Angelos Kontaxis, da igreja ortodoxa em Florianópolis. Também foi feita uma solicitação oficial ao Patriarcado de Constantinopla (Istanbul).
Pesou na argumentação do monsenhor e da diplomacia brasileira o fato de o destino desejado para as relíquias ser, no mundo, o único Estado que leva o nome de Santa Catarina. O monsenhor Angelos foi pessoalmente ao mosteiro do Sinai, levando presentes de Santa Catarina e informações sobre Florianópolis e o Estado. Encontrou muita resistência dos monges, que afinal concordaram em ceder as relíquias desde que fosse construída uma capela ecumênica com o nome da padroeira e a comunidade helênica da Capital assumisse oficialmente a responsabilidade pelos procedimentos de guarda, segurança e o público.
Foi assim que Florianópolis se tornou o único lugar fora do Egito onde há relíquias de Santa Catarina de Alexandria. A introdução da peça na capela do TJ/SC ocorreu no dia 23 de novembro de 2001, dentro das programações do Dia de Santa Catarina. Embora a Igreja tenha excluído a santa de seu calendário no Concílio Vaticano 2º, fiéis de todo o mundo a reverenciam. E mais, Catarina aparece nos monumentais afrescos de Michelangelo na abóbada da Capela Sistina, em Roma, ao lado da roda dentada que seria utilizada para torturá-la e que teria sido destruída por um anjo antes da se consumar o martírio.
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