A imigração alemã foi um grande processo de deslocamento humano que começou nas primeiras décadas do século 19 e deixou marcas profundas em muitos países – incluindo o Brasil, onde a presença germânica está completando 200 anos e é ressaltada como fundamental para a definição da identidade nacional e relevante pelo legado na economia, na cultura, nos hábitos e nos costumes dos brasileiros.

Pensando na importância desse evento histórico e de seus desdobramentos, o Grupo ND criou o projeto multiplataforma “Bicentenário da Imigração Alemã no Brasil – Conhecer, Reconhecer, Homenagear”, que veiculará, até dezembro, conteúdos sobre o tema na televisão, no jornal impresso, no portal e em outras plataformas. Gibis e livretos serão distribuídos nas escolas catarinenses e haverá homenagens a 50 personalidades de origem alemã que se destacam no Estado – empresários, políticos, artistas, esportistas e expoentes de diferentes áreas.
Com a tripla função de “conhecer, reconhecer e homenagear”, ou seja, divulgar a história da emigração, ressaltar os seus enormes resultados para o Brasil e fazer tributos a figuras que descenderam ou descendem das famílias alemães em Santa Catarina, o projeto tem a curadoria das historiadoras e pesquisadoras Sueli Maria Vanzuita Petry, diretora do Patrimônio Histórico e Museológico da Secretaria de Cultura de Blumenau, e Dolores Carolina Tomaselli, diretora-executiva da Sociedade Cultural Alemã de ville.
A produção do conteúdo do projeto envolve equipe de roteiristas, diretores e jornalistas e inclui entrevistas e contatos nos principais núcleos de influência germânicos em Santa Catarina e uma viagem à Alemanha para identificar e mostrar os locais de origem dos emigrantes, como esses lugares são hoje em dia e de que forma se tornaram destino de muitos descendentes que vão atrás de suas origens.

Embora as primeiras levas tenham desembarcado no Rio Grande do Sul, em 1824, o foco do projeto do Grupo ND está em Santa Catarina, que assentou as famílias pioneiras em 1829, em São Pedro de Alcântara. Depois disso, o governo brasileiro editou leis que facilitaram o estabelecimento de emigrantes em outras regiões, entre elas o Vale do Itajaí e o Norte e Nordeste do Estado.
Imigração alemã: com um pé no ado e de olho no futuro 4p4o
No período em que esteve na Alemanha, o jornalista Luan Vosnhak circulou por regiões de onde partiu a maior parte dos emigrantes com destino a Santa Catarina, no século 19. Visitou catedrais, castelos, sociedades de tiro, instituições culturais e vilarejos que guardam, por exemplo, objetos e documentos que remetem ao pioneiro Hermann Blumenau e ao naturalista Fritz Müller. No porto de Hamburgo, de onde saíram milhares de pessoas rumo ao Brasil, ele viu, num museu, réplicas de veleiros e navios da época, que traziam famílias inteiras, muitas vezes em condições precárias de acomodação.
A NDTV vai exibir 16 reportagens até dezembro, mostrando esses lugares na Alemanha e cidades catarinenses onde os imigrantes construíram casas comerciais, indústrias e edificações que permanecem até hoje como herança do ado. A primeira delas será exibida hoje, no SC no Ar e no Balanço Geral. “Cerca de 5 milhões de pessoas saíram apenas do porto de Hamburgo em direção às Américas”, diz Luan Vosnhak, falando dos sobrenomes que encontrou – muitos deles idênticos aos dos emigrantes de dois séculos atrás.
“A Alemanha de hoje dá exemplos de sustentabilidade e serve de modelo no tratamento do lixo, na produção de veículos elétricos e na geração de energia eólica e fotovoltaica”, observa o jornalista. “Hoje, os brasileiros que vão à Alemanha em busca de suas raízes são muito bem recebidos.”
As principais regiões de origem dos emigrantes germânicos eram Hunsrück, Renânia, Pomerânia, Saxônia, Prússia e Braunschweig. A epopeia dos alemães na nova terra foi e continua sendo amplamente estudada, porque ajudou a construir o Brasil atual. Na maioria dos casos, foi experiência dura, sobretudo nas áreas onde os emigrantes aportavam pela primeira vez, sem o apoio prometido pelo governo imperial e sem ter quem os recebesse e entendesse sua língua.
O pesquisador Daniel Silveira, da Casa da Cultura de São Pedro de Alcântara, destaca a obstinação dos alemães que que vieram para Santa Catarina. “Acostumados ao abandono, aprenderam a resolver tudo sozinhos”, diz ele.
“Hoje, somos um Estado multicultural, que se destaca pela sua essência e excelência, pelo modelo de colonização, pelo espírito de empreender nos mais diversos setores (social, econômico, político e cultural) como herança dos nossos anteados.”
Sueli Petry, historiadora e curadora do projeto do Grupo ND
Modelo de colonização bem-sucedido w572v
A historiadora Sueli Petry, uma das curadoras do projeto, afirma que “a conscientização sobre o valor da imigração em nosso país é um dos grandes méritos da iniciativa do Grupo ND. “É a valorização do imigrante que enfrentou muitas dificuldades, com determinação, fé e sacrifício, e o reconhecimento da contribuição que trouxeram com sua cultura, experiência e seu trabalho no engrandecimento do Brasil.”
Sueli destaca o espírito de luta, o trabalho e o progresso como legados dos emigrantes alemães que chegaram a Santa Catarina. E lembra que as escolas também serão alcançadas pelo projeto, com conteúdos que poderão ser explorados pelos professores. “Ele contém linguagem ível, com ilustrações pertinentes a abordagens diversas: arquitetura, religiosidade, indústria, transporte, cultura, educação, meios de comunicação e outros temas”, descreve.
“Santa Catarina tem na base cultural seu grande diferencial e é economicamente desenvolvida em função destas características, que seguem influenciando todos os que buscam o Estado para viver. Conhecer e respeitar nossa herança cultural é fundamental para seguirmos no caminho do desenvolvimento.”
Dolores Tomaselli, historiadora e curadora do projeto
A ética do trabalho e o peso do associativismo 143r2d
Para a historiadora Dolores Carolina Tomaselli, o projeto transforma a simples comemoração “pontual” de uma data histórica em um grande momento de apropriação da temática da identidade cultural e de reflexão sobre o fenômeno migratório que envolveu o Sul do Brasil a partir do início do século 19. “Abordar os fatos a partir de minuciosa pesquisa histórica, visitar os locais de onde saíram nossos imigrantes, reconstruir percursos, registrar depoimentos de autores e atores da trama imigratória reveste o projeto de singular importância para as atuais e futuras gerações”, diz ela.
Dolores também ressalta que a imigração trouxe a ética do trabalho associada à fé luterana, assim como o cooperativismo e o associativismo, características que ultraam o tempo e continuam ativas no presente. “Herança dos primeiros anos da imigração, o associativismo até hoje caracteriza a cidade de ville, o nosso Estado e toda a área de imigração alemã no Brasil”, afirma. “Conhecer e respeitar nossa herança cultural é fundamental para seguimos no caminho do desenvolvimento”, defende.
Cenário difícil explica a vontade de emigrar 282b16
No início do século 19, a Europa ava por importantes transformações econômicas e sociais decorrentes dos impactos da Revolução Industrial iniciada na Grã-Bretanha décadas antes. Associados a esse fator, eventos potencialmente revolucionários espalharam medo e insatisfação junto a uma população crescente e cada vez mais acuada pela mudança de paradigmas nas relações entre povo e poder, empregados e empregadores, famílias e instituições em diferentes pontos do continente.
Foi nesse cenário, marcado pelo aumento da fome e perda de postos tradicionais de trabalho no campo e nas cidades, que a Europa experimentou grande movimento de emigração que se estendeu até a segunda metade do século seguinte, com fluxos e refluxos que se alternaram nesse período. As tecnologias que elevaram a produtividade agrícola e industrial não melhoraram a qualidade de vida das pessoas – ao contrário, provocaram desemprego e apreensão quanto ao futuro. Com a Alemanha, importante membro desse clube, não foi diferente.
A esse contexto de crise se juntou a determinação do governo imperial brasileiro em povoar o território e ocupar amplas áreas estrategicamente relevantes, além de substituir a mão de obra escrava pelo trabalho de colonos e operários estrangeiros. Embora a emigração tenha se estabilizado por volta de 1920, estima-se que 260 mil alemães se mudaram para o Brasil entre 1824 – ano da fundação da colônia de São Leopoldo (RS) – e 1972.
Esse fenômeno de grandes dimensões sociais, históricas e antropológicas atendeu, portanto, a demandas cruciais nos dois lados do Atlântico. A Europa assistiu a saída de milhares de indivíduos a cada ano, sobretudo a partir de 1830, numa mobilização sem precedentes que envolveu mais de 50 milhões de pessoas até o início do século 20 – tendo a Alemanha como forte protagonista. E o Brasil recebeu um contingente que contribuiu, com sua cultura, costumes e índole trabalhadora, para o progresso e a transformação do país nos últimos dois séculos.

Fatores que estimularam as emigrações na Alemanha 296ar
- Aumento da população, que ou de 24,9 milhões em 1820 para 33,7 milhões em 1850.
- Más colheitas e aumento do preço dos alimentos, o que levou ao empobrecimento das famílias e ao aumento da fome nas camadas mais pobres.
- Elevação dos impostos cobrados pelos proprietários das terras, que ainda utilizavam métodos feudais na relação com os trabalhadores;
- Instabilidade política no continente europeu, sacudido por revoltas e revoluções.
- Fuga do serviço militar, que tirava os jovens das atividades que garantiam a subsistência das famílias.
- Perseguições políticas e religiosas.
- Melhoria das condições de navegação, com embarcações maiores e movidas a vapor.
- Aumento das importações e exportações entre Brasil e Alemanha, especialmente pelos portos de Hamburgo e Rio de Janeiro.