Uma vida inteira de trabalho pela cultura catarinense foi celebrada na tarde deste sábado (7), na despedida do escritor Salim Miguel em Florianópolis. Enquanto familiares e amigos se reuniam no Museu da Escola para prestar as últimas homenagens, o Centro da Capital efervescia arte. A Casa do Teatro Armação, na praça 15, recebia mais uma edição da FAF (Feira de Artes de Florianópolis), músicos se apresentavam na rua Victor Meirelles e no Mercado Público, e a feira Viva a Cidade ocupava a rua João Pinto e imediações. Lá de cima, o protagonista do Grupo Sul – movimento modernista fundado nos anos 1940 – parecia alcançar a plenitude e, emprestando as sete cores de um arco-íris, exibia o sorriso generoso que costumava esconder embaixo do vasto bigode.
A inexorável marcha da vida levou Salim Miguel aos 92 anos, no dia 22 de abril, mas nem mesmo a idade avançada diminuiu a perda do escritor. “Precisamos viver e encarar o luto, mas aqui, mais do que a tristeza da perda, temos uma celebração da vida. O Salim é um patrimônio da humanidade, um homem de um tempo que não existe mais. Ele foi um homem de uma generosidade incomparável”, resumiu a jornalista cultural Néri Pedroso.
A cerimônia reuniu cerca de 200 amigos e familiares, entre eles os cinco filhos e a esposa de Salim, a escritora e professora Eglê Malheiros. “Eu realmente não tenho palavras. É um lugar-comum, mas dane-se. Há gente aqui que foi meu aluno, e agora vê a professora sem palavras”, disse Eglê, arrancando risos dos amigos. “Só queria pedir a todos que se lembrassem do Salim com o sorriso nos lábios e uma teimosia daquelas…”, completou.
Antonio Carlos, um dos filhos de Salim, disse que o pai não gostava de falar sobre a “dona morte”, mas pediu para que fosse cremado e que suas cinzas fossem jogadas em Biguaçu e na praia da Cachoeira do Bom Jesus, no Norte da Ilha. “Infelizmente, por circunstâncias, ele teve que mudar para Brasília. A gente quis fazer uma despedida aqui e depois vamos jogar as cinzas em uma cerimônia apenas com os familiares”, afirmou. “Hoje, ele veria toda essa vida cultural do Centro com muito carinho. Valeu a pena, ele viveu plenamente”, afirmou.
Colega de profissão e membro da ACL (Academia Catarinense de Letras), Flavio José Cardoso ressaltou a importância de Salim Miguel para a cultura do Estado. “Ele foi uma figura solar. Em torno dele, reunia-se muita gente. Ele não foi apensa um intérprete de Santa Catarina como escritor e jornalista, ele foi um líder operário na construção de melhores momentos para a nossa cultura”, disse o escritor.
Uma vida dedicada à cultura
Em 2013, Salim Miguel e Eglê Malheiros doaram todo seu acervo pessoal para o IDCH (Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas) da UDESC. Hoje, o local abriga um espaço que leva o nome dos dois e reúne mais de 11 mil peças, como livros, revistas, recortes de jornal, objetos pessoais e láureas que acumularam ao longo da vida. “O espaço guarda a história deles. É uma forma de preservar a arte e a cultura de Santa Catarina e do Brasil”, afirmou Maria Tereza Santos, coordenadora do IDCH.
Para o escritor Amilcar Neves, membro da ACL, Salim Miguel estaria feliz com essa celebração da vida dele e com a efervescência cultural do Centro da cidade neste sábado. “Salim foi um batalhador da cultura, e é fundamental que isso continue. Seria triste se, com a ausência dele, tudo morresse. A maior homenagem que se pode prestar a ele é continuar com o movimento cultural”, disse.
Uma das grandes obras de Salim Miguel foi o romance autobiográfico “Nur na Escuridão”, publicado em 1990. “Partiu o Salim, mas não partiu a obra, o escritor, o editor e o homem de cultura. Como diz o próprio nome do livro, ele é uma luz que continua conosco”, emocionou-se a escritora Lélia Nunes.
História de Salim Miguel
Nascido em Kfarsouroun, no Líbano, em janeiro de 1924, Salim Miguel morou durante grande parte de sua vida em Santa Catarina, e atualmente morava em Brasília, onde morreu no último dia 22 de abril devido a complicações de saúde por causa de uma broncopneumonia.
O artista, que morava no Brasil desde os três anos de idade, cresceu em Biguaçu, onde ambientou a maioria de suas obras literárias. O primeiro livro, “Velhice e outros contos”, foi publicado em 1951. Ao lado de Eglê Malheiros, professora, ensaísta e escritora, e de outros intelectuais da Ilha de Santa Catarina, Salim Miguel criou o Grupo Sul, que revolucionou o meio cultural local com ideias que os modernistas já haviam disseminado nos anos de 1920 no centro do país.