“Qual é seu dia, Nossa Senhora? É dia 2 de fevereiro, quando na beira da praia eu vou me abençoar”, diz a letra da música ‘Yemanjá Rainha do Mar’, de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro, famosa na voz de Maria Bethânia. No Brasil, a data é comemorada tanto como Dia de Iemanjá como o de Nossa Senhora de Navegantes.
Em uma entrevista com Cristiana Azevedo Tramonte, especialista em antropologia das populações, exploramos as tradições e simbologias por trás dessa celebração, que une tanto devotos de religiões de matriz africana quanto do catolicismo.
Professora do Centro de Educação da UFSC, Cristiana é também autora do livro “Com a bandeira se Oxalá: trajetória, práticas e concepções das religiões afro-brasileiras na Grande Florianópolis” e explica as particularidades das celebrações no litoral catarinense.

Festividades do Dia de Iemanjá 5gd3j
“O que ela gosta? O que ela adora? Perfume, flor, espelho e pente, toda sorte de presente, pra ela se enfeitar”, prossegue a música de Amorim e Pinheiro.
Na praia, as festividades concentram-se em oferendas, nas quais barquinhos carregados de velas, perfumes e presentes são lançados ao mar em homenagem à Iemanjá, a rainha das águas salgadas.
“As cores predominantes nas celebrações são azul e branco, representando a essência de Iemanjá, com toques de dourado para embelezar. Frutas, flores e diversos tipos de oferendas são apresentados, mas sem especificidades”, explica a professora Cristiana.

Senhora dos mares 6m4w2c
Esse gesto também ecoa na agem do ano, unindo tradições religiosas e culturais. Na costa catarinense, a procissão marítima de Nossa Senhora de Navegantes destaca a conexão dos pescadores com a “senhora dos mares”.
A procissão de Navegantes, com barcos dos pescadores, serve como forma de agradecimento e pedido de bênçãos à Nossa Senhora. De acordo com Cristiana, “não por acaso, também é no mesmo dia de Iemanjá”
Popular no Brasil 724c
Cristiana credita a popularidade de Iemanjá ao sincretismo religioso, que conecta os orixás [divindades cultuadas em religiões de matriz africana] a santos católicos. “No Brasil, o sincretismo religioso é muito forte, com orixás correspondentes no catolicismo”, explica.
Originalmente associada aos pedidos de pescaria farta e saúde pelos pescadores, hoje suas bênçãos são solicitadas em uma variedade de desejos, não se restringindo somente ao universo dos praticantes da Umbanda e do Candomblé.
“É um dos orixás que mais chegou, vamos dizer, na população brasileira, porque muitas pessoas, de diferentes credos, celebram Iemanjá, fazem suas oferendas e até mesmo a cultuam”, completa.
“Quem é que já viu a Rainha do Mar? Pescador e marinheiro, quem escuta a sereia cantar” — letra de Yemanjá Rainha do Mar
Branqueamento colonial 643614
Na visão de Cristiana, há uma rejeição à diversidade que precisa ser discutida no âmbito religioso. Qual seria a etnia da representação humana de Iemanjá?
“O branqueamento de Iemanjá é uma questão que a gente tem que discutir do ponto de vista da diversidade étnico racial do Brasil, porque, realmente, Iemanjá é de origem negra” argumenta Cristiana.
“Como tudo se branqueia, em função de uma visão étnica colonialista que rejeita a diversidade, acabou se consolidando como uma imagem de uma mulher branca de longos cabelos” finaliza a especialista.