Em outubro de 2019 tive a chance de assistir a uma test screening do filme “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio”. Diferente do que estreou nas salas de cinema brasileiras nesta quinta-feira (3), o terceiro capítulo da popular franquia de terror da Warner Bros. nasceu com uma versão um tanto quanto capenga. Assim como o cenário naquela noite – uma saudável aglomeração com cinquenta e poucos espectadores – acabou mudando, o longa-metragem ou por bons ajustes.

A exibição de teste serve para que o estúdio receba a opinião de espectadores e avalie mudanças antes da estreia. Essas reações podem mudar drasticamente o produto final. A versão original de “Invocação do Mal 2”, de 2016, por exemplo, foi apresentada com outro vilão e sem sinal da hoje icônica Freira.
A test screening da qual participei ocorreu em uma pequena sala de cinema, no segundo andar de um dos prédios do estúdio da Warner Bros. O espaço, onde também são filmados filmes e séries, fica em Burbank, no condado de Los Angeles, na Califórnia (EUA).

A versão exibida na ocasião não estava finalizada e tinha cenas com telas verdes e cabos aparecendo, trilha sonora temporária, efeitos inacabados (os ratos pareciam vindos de um jogo de videogame de 2001) e sem a correção de cor. Um vídeo introdutório reforçava o quão crua estava a pós-produção do projeto.
Foi uma experiência muito atípica. Primeiro por ter que um acordo de confidencialidade, com dezenas de cláusulas detalhando os riscos de divulgar detalhes do tal “Untitled Horror Movie” da New Line Cinema antes da estreia. Até mesmo a menção de participar da test screening era proibida. Depois por ter que deixar o celular em um compartimento por quatro horas e ar por duas revistas.

O suspense antes da sessão do filme misterioso e a movimentação dos produtores nas últimas fileiras anteciparam o que estava por vir. Foi então que um funcionário do estúdio foi para a frente da telona e disparou: “Você serão algumas das primeiras pessoas do mundo a assistir ‘Invocação do Mal 3’”. A plateia, formada por pessoas na faixa dos 20 e 30 anos, berrou por um bom tempo. Mesmo em êxtase – essa é uma das minhas franquias favoritas do gênero -, me contive quando reparei nas câmeras posicionadas estrategicamente em frente a um fundo preto, nas laterais da tela, para gravar as reações dos espectadores.
O risco de dar errado – Spoilers a seguir 2v3b7
O terceiro capítulo da franquia traz de volta Patrick Wilson e Vera Farmiga como um casal de investigadores paranormais. Desta vez eles vão à ajuda de um jovem que cometeu um assassinato e alega, na Justiça, ter sido possuído por um demônio. A estreia estava prevista para setembro de 2020, mas foi adiada em função da pandemia da Covid-19. O lançamento nos Estados Unidos ocorreu nesta sexta-feira (4), tanto nos cinemas como no serviço de streaming HBO Max.
O filme lançado me surpreendeu positivamente. Fiquei decepcionado com a segunda metade da versão exibida na test screening e dei meu . O estúdio perguntou detalhadamente sobre os mais diversos aspectos da produção – personagens, desempenho de atores, elementos da história, cenas específicas, sensações, aborrecimentos e comparações com outros longas.
Tenho certeza de que não fui o único a rejeitar o encerramento desastroso da história. A franquia de terror contemporânea mais bem-vista da Warner, de repente, carecia de terror, suspense e um final com sentido. O que vi há 20 meses foi uma vilã mal-construída, aleatória e nada amedrontadora, sem um plano ou história de fundo e abatida na primeira empreitada do casal de investigadores paranormais. O terceiro ato parecia um spin-off de baixo custo de um estúdio de fundo de quintal

Como se não bastasse, o filme era repleto de jump scares – aqueles sustos repentinos que não dão medo e só te levantam da poltrona porque o som explode após uns segundos de silêncio. Tinha alívio cômico de sobra e personagens secundários roubavam demais o tempo de tela que deveria priorizar a maravilhosa Vera Farmiga.
Da água (benta) para o vinho 571m7
Chega a estreia e “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” surge completamente diferente. Os jump scares foram podados tanto que me questiono o tamanho do envolvimento do diretor do péssimo “A Maldição da Chorona”, que também assina este.
O terceiro ato foi completamente refilmado – novos cenários, perseguições e motivações. Tanto o parentesco da Ocultista, descoberto por Lorraine, quanto a corrida pelos túneis em busca do altar e as cenas de exorcismo na prisão não existiam. O novo arco da vilã a deixou mais digerível e o exorcismo de Arne foi visualmente marcante.

Este capítulo certamente não se tornou um terror extraordinário, como o primeiro filme da franquia ou alguns dos originais da Blumhouse, mas pelo menos trouxe boas sequências de tensão. E melhor: foi possível reorganizar o longa para valorizar os seus verdadeiros protagonistas, Ed e Lorraine Warren.
Até o título original mudou – o número “3” que aparecia na exibição de teste caiu e deu lugar ao subtítulo “The Devil Made Me Do It”. Outro exemplo do medo dos estúdios de numerar suas sequências, tal qual o último “Halloween” e o próximo “Pânico”? Ou uma mera tentativa de dar mais identidade à produção na esperança de evitar a fadiga do público? Um pouco de ambos, provavelmente.
A escolha mais certeira, ainda assim, foi uma mudança no meio do filme. Uma cena que detestei logo de cara, uma tentativa de suicídio longa, explícita e sangrenta, foi reduzida a 40 segundos e intercalada com flashes de outra cena. Sempre prestigiei o trabalho de montagem e edição, mas foi com “Invocação do Mal 3” que tive a prova definitiva de que uma produção debilitada pode se tornar um bom filme se for devidamente exorcizada.
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