A tragédia em Presidente Getúlio acaba de completar um mês. Considerada a maior catástrofe climática registrada na cidade, causou 18 mortes e atingiu cerca de 1,6 mil pessoas. Após 30 dias da enxurrada, quando foram registrados 125 milímetros de chuva em apenas seis horas entre a noite de 16 e a madrugada de 17 de dezembro, os dias agora são marcados pelo luto, a reconstrução e a solidariedade.

A lama que desceu dos morros, arrastou as árvores e tomou as ruas não predomina mais. Deu espaço à poeira vermelha. Muitos dos escombros também foram recolhidos, mas é difícil encontrar uma casa no bairro Revólver, o mais castigado na enxurrada, que não tenha na frente um amontoado de móveis destruídos ou galhos retorcidos.
As pás para tirar o lodo dos terrenos foram substituídas por baldes e mangueiras que os moradores usam para tentar deixar tudo limpo novamente. Não são poucas as residências em obras, afinal 80 delas tiveram algum tipo de dano. Outras 40, porém, simplesmente não resistiram a avalanche.
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“Saudade dói demais” 66w16
O cenário de destruição no entorno da casa de Dorita Wiese Bozan não a deixa esquecer, nem por um minuto, a tragédia que assolou a comunidade. Ainda bastante abalada, ela tenta contar como foi perder, de uma só vez, nove familiares: a mãe, dois irmãos, duas cunhadas, dois sobrinhos, além da nora e do filho.

Todos moravam próximos. Do quintal de casa ela vê o rastro deixado pela enxurrada que levou a casa onde a família estava no momento do temporal. É de lá também que observa o lar onde o caçula dela, Andrei Rangel Bozan, de 28 anos, morava com a esposa, Bruna Bozan, de 27, e que agora está vazio.
“A saudade dói demais. Parece que eu vejo ele chegando aqui. O Andrei vinha todo dia de manhã ajudar a cuidar do pai dele, que é acamado. Eu almoçava todo dia com a minha mãe. Eu sei que eles estão num lugar bom, estão com Jesus, mas a gente sente”, diz emocionada.

A casa da costureira não chegou a ser atingida pela enxurrada. Afastada do trabalho desde o dia da tragédia, ela ite que chegou a pensar em trocar de endereço para tentar aliviar a angústia, mas acredita que esse não seria o desejo dos parentes que se foram. Agora, quer reconstruir o local e fazer um jardim de orquídeas em homenagem à mãe.
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Luto e reconstrução 44a28
Bruna, a nora de Dorita que morreu na catástrofe, trabalhava no Centro de Educação Infantil (CEI) Municipal Dom Quixote, na região central de Presidente Getúlio. A unidade era frequentada também pelo pequeno Ariel Wiese, de 5 anos – a vítima mais jovem da tragédia que assolou a cidade em dezembro de 2020.
Não bastasse a dor de perder uma colega e um aluno, Anete Kloth, a diretora da creche, enfrenta o desafio de recuperar a estrutura. Após um mês do fenômeno climático, só agora os cerca de 50 centímetros de lama foram tirados das salas, nas quais nem mesmo as janelas resistiram. O piso de madeira também precisou ser removido.
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Hoje, ao invés de crianças correndo felizes, são equipes de limpeza que trabalham no espaço. A previsão de reabertura em fevereiro não deve ser cumprida, pois a creche será totalmente reformada. Segundo a prefeitura, busca-se um espaço para atender as cerca de 250 crianças até que a obra fique pronta. Uma verdadeira angústia para quem está há 20 anos na unidade.
“A gente sofre muito por isso. Afinal é a luta de anos. E hoje olhar ao redor e não ter mais nada. Aqui era um lugar muito lindo, com a energia positiva das crianças e, de repente, se torna um lugar triste”, lamenta a diretora.
Ela recebeu ajuda de profissionais do CEI e de voluntários da cidade e da região para limpar o imóvel o máximo possível. Enquanto a prefeitura se encarrega da reforma, há outra preocupação: a reposição dos brinquedos, aparelhos de TV e material didático para a retomada das atividades.
A unidade está em busca de doações e quem puder ajudar podem fazer contato pela rede social da creche, clicando aqui.

Solidariedade 651247
A autoelétrica atrás de casa era o ganha-pão da família de Eliseu Ewers. E ele viu tudo ser levado pela água na noite de 16 de dezembro. O homem, que estava pronto para dormir, conseguiu sair de casa com a esposa e a neta de dois anos no colo. A água já estava na cintura quando enfrentaram a correnteza e receberam abrigo de um vizinho.
Além da base de cimento da oficina, não sobrou mais nada. Não foi possível resgatar nem mesmo os carros que estavam no local para conserto. ados 30 dias da tragédia, Eliseu vê as carcaças dos veículos dentro do ribeirão Revólver. Parte dos materiais de trabalho dele também estão lá, como ele mesmo conta no vídeo abaixo:
Sem nenhuma reserva no banco – pois tudo era investido num estoque que se foi – e aguardando a liberação dos recursos do FGTS – que não tem prazo para ocorrer em Presidente Getúlio, por conta da burocracia -, ele começa a se reerguer com a ajuda e a solidariedade de outras pessoas.
Ganhou madeiras, tubos, telhas. Até o frete para buscar os materiais foi sem custo. Segundo Eliseu, empresas, clientes, parentes e vizinhos estenderam a mão no momento mais delicado da vida. A mão de obra, por exemplo, é de um tio e um sobrinho que fazem o serviço durante as folgas aos fins de semana.
“A gente vai arrecadando um pouco ali, um pouco aqui, para começar a se reerguer de novo. Recebemos bastante ajuda. Não adianta parar e se lamentar. Perder todo mundo perdeu. Mas teve quem perdeu a família. Eu tenho a minha aqui para trabalhar e se reerguer juntos”.

Considerando infraestrutura urbana e prédios públicos, a prefeitura de Presidente Getúlio calcula um prejuízo de R$ 26 milhões. O governo federal enviou ao município R$ 14,2 milhões. É dinheiro é para limpeza e desobstrução de ruas, reconstrução de pontes e bueiros, além do desassoreamento do leito do ribeirão Revólver.
O governo do Estado, por sua vez, reou mais R$ 3 milhões. Recurso já previsto, porém acelerado, voltado à revitalização de ruas do Centro. Também abriu linhas de financiamento para ajudar empresas de micro, pequeno e médio porte na reconstrução de estruturas e compra de matéria-prima.
Veja imagens de Presidente Getúlio, no Alto Vale do Itajaí, um mês após a enxurrada:
Todos podem ajudar 17433e
Desde o ano ado não há mais pessoas em abrigos. No primeiro momento a necessidade era por itens como roupas e comida. Hoje os moradores precisam de móveis, eletrodomésticos, materiais de construção e mão de obra para recomeçar.
Os interessados em contribuir devem procurar o serviço de Assistência Social de Presidente Getúlio pelo telefone (47) 3352-2148.