Racismo contra vereadora negra de SC: “é só a ponta do iceberg”, diz antropólogo 551t3q

Ana Lucia Martins foi eleita a primeira vereadora negra da história de ville e ameaçada de morte na semana da Consciência Negra

“Esse ataque à integridade física demonstra um lugar de medo de quem não quer que esse lugar de poder, de construção de possibilidades, de pensar a cidade, o futuro da cidade, seja ocupado por mulheres negras, por aquilo que não está marcado como a tradição política e racial que a cidade tem”.

Ana Lucia Martins é a primeira vereadora negra da história de ville – Foto: Redes sociais/Divulgação/NDAna Lucia Martins é a primeira vereadora negra da história de ville – Foto: Redes sociais/Divulgação/ND

A fala do historiador e antropólogo Willian Luiz da Conceição provoca a reflexão que já havia sido trazida pela própria vereadora Ana Lucia Martins, alvo de racismo e ameaça de morte. “Temos 19 legisladores e só eu estou sendo atacada”, falou.

Nos últimos meses, pelo menos três casos de racismo chamaram a atenção em ville e região e, nesta semana, os ataques direcionados à vereadora evidenciam uma realidade vivida por toda a população negra da cidade. Em 2019, 166 boletins de ocorrência por injúria racial foram registrados na cidade, número superado neste ano antes mesmo do término de 2020: foram 168. O número mais do que dobrou, se comparado a 2018, mas ainda não mostram a realidade, escancarada na ameaça sofrida pela vereadora e que se multiplica pela cidade, de variadas formas.

Aluno de Ana Lucia ainda no ensino fundamental, o antropólogo vê a vereadora como referência não apenas política, mas social. “Ela tem formado gerações de estudantes e tem trabalhado há muito tempo pela comunidade. Ela sempre falou sobre a importância de sonharmos e ela ascende como uma uma esperança para diversos grupos sociais”, diz.

A violência sofrida pela vereadora evidencia uma realidade diária na cidade que, como ressalta Willian, invisibiliza a população negra e a ataca, de variadas formas, das sutis às atrozes. “Nós somos estrangeiros na nossa própria terra. ville vive com uma total invisibilidade histórica da nossa população, uma população que nunca antes conseguiu eleger uma representante mulher. Esses ataques demonstram o medo da transformação de muitos homens brancos não aceitam essa mudança”, salienta.

O antropólogo fala, ainda, sobre as violências cotidianas e recorrentes vividas pela população negra da cidade. Ele ressalta que o caso faz parte de uma ordem social que violenta a população negra. “Não é um caso deslocado no tempo, faz parte de uma ordem que nos violentou e continua violentando. Esse ataque é parte desse sistema racial que nos destruiu como pessoas humanas e isso está evidente. Esse ato só demonstra a ponta do iceberg de um sistema estruturado”, diz.

Ana Lúcia Martins foi ameaçada de morte em comentários nas redes sociais – Foto: Redes sociais/Divulgação/NDAna Lúcia Martins foi ameaçada de morte em comentários nas redes sociais – Foto: Redes sociais/Divulgação/ND

Apesar de enxergar os ataques como uma forma de “nos trazer para o chão”, o antropólogo acredita que isso fortalece o mandato, dando mais potência para uma causa urgente. “Precisamos nos preocupar, mas ele dá mais força, agrega mais lutadores da causa antirracista. Não aceitaremos esse tipo de violência, de ato criminoso. Sempre soubemos que existia racismo, mas a forma como foi colocado, nos coloca mais nesse lugar de estarmos vigilantes, fazendo, pensando que esse mandato precisa ser mais coletivo, que possa se estender e criar uma onda antirracista. O papel dela fará com que outros vilenses possam sonhar com esse lugar, sonhar em ser qualquer coisa que desejarem”, ressalta.

Para a jornalista Suelen Soares, do Coletivo Ashanti de Mulheres Negras de ville, a cidade é um reflexo de como o país enxerga e trata as pessoas negras. “Os casos recentes de racismo às vésperas de uma data tão importante, só nos fazem ter certeza que ainda há muito o que se fazer. Digo fazer, porque para andarmos em direção de uma sonhada igualdade é necessário que ações concretas sejam feitas pelo poder público e também pelas pessoas não negras. É preciso que se assuma individualmente uma postura antirracista e de conscientização quanto aos privilégios e direitos que nos são negados há tanto tempo”, fala.

Às vésperas do Dia da Consciência Negra, nesta sexta-feira (20), a Polícia Civil de ville instaurou um inquérito para investigar e identificar os responsáveis pelos ataques. Suelen reforça a importância da data e da reflexão sobre as violências, inclusive as institucionais que, até 2020, não permitiram que uma mulher negra ocue uma cadeira no Legislativo da cidade.

“O incômodo causado por uma única mulher negra eleita para um cargo de poder, em uma cidade que jamais tinha elegido uma, já nos diz muito do quanto estamos atrasados. O 20 de Novembro não é uma data festiva, mas sim, uma data estratégica para que assuntos como o racismo, por exemplo, se tornem pauta. A violência sofrida pela Ana Lúcia, só corrobora com a importância da data”, finaliza.

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