“Eu não tenho nem resposta”, diz o rapaz que chamaremos de Pedro, que aos 25 anos vive a primeira experiência em um abrigo provisório.
Acompanhado da namorada, que nomearemos Carolina, de 21, morava em um pensionato no Centro Histórico da Capital há cerca de um mês, até ser surpreendido pela enchente no Rio Grande do Sul.

“A gente não ia sair de onde a gente estava, mas acabou a luz e a água, tivemos que sair”, conta o casal, que se conheceu no trabalho há dois anos.
Eles ainda não sabem o que farão quando sair, mas a prioridade é encontrar um novo lugar para morar.
“Agora é totalmente incerto, antes a gente tinha para onde correr. Aqui, se a gente sair, a gente não tem para onde voltar, mas é o que falei para ela: é erguer a cabeça, a gente está junto e vai chegar lá em cima de novo”, acredita Pedro.
“Com certeza, no Centro Histórico, não”, brinca Carolina. Ela e Pedro, que preferem manter as identidades preservadas, foram flagrados pela reportagem ainda na cama, abraçados, em um momento de carinho logo pela manhã, após o café.
Mesmo em um ginásio esportivo e em condições completamente adversas, o romantismo e o cuidado entre eles permanece. Como decoração do quarto improvisado, dois vasos com flores, presentes que a jovem recebeu no Dia das Mães, deixam o ambiente mais familiar e agradável.

“É o mínimo que posso fazer, né?! A gente já ou por muita coisa juntos, esse é só mais um degrau”, diz, ao ser questionado sobre o gesto.
Carolina se intitula a “boadrasta” de Raíssa, filha do Pedro no primeiro relacionamento. A expectativa do casal é voltar a trabalhar nesta semana; ele no local onde é vendedor, ela ainda aguarda uma recolocação no mercado.
“Ainda não estou trabalhando, mas quero começar logo. A gente vai ficando aqui até quando for possível, e depois vamos ver uma casa para alugar, de preferência um lugar alto”, afirma Carolina.
Dona Lúcia também não vê a hora de voltar a trabalhar u55h
Assim como ela, dona Lúcia dos Santos Silva, de 61 anos, não vê a hora de voltar para o trabalho como auxiliar de limpeza.
“As meninas estão me esperando já faz duas semanas. Se fizer sol, vou começar a ver como é que eu me desloco daqui e vou fazer minhas faxinas”, diz entre um chimarrão e outro.

Ela precisou sair da casa onde vivia com duas filhas e uma neta, de 9 anos, porque a região do bairro Farrapos também foi atingida pela cheia do lago Guaíba.
“Começou a vir aquela água, começou a encher e saímos. Fomos para casa da minha outra filha, que era mais alto e não tinha muita água. No outro dia, começou a encher e foi de lá que vim pra cá”, relembra Lúcia.
Ela conseguiu levar o cachorro, Marley, para o abrigo. Na casa, ficaram cinco gatos, que não se sabe o paradeiro.
Viagens interrompidas pela enchente 6w402k
Mais de 12 mil pessoas continuam em abrigos em Porto Alegre, mas nem todas estão nestes locais por perdas em decorrência da inundação.
Com o alagamento da rodoviária, a viagem de Allan Mariano, natural do Rio Grande do Norte, até a nova morada em Farroupilha, na Serra, não aconteceu.
Ele chegou à Capital gaúcha no dia 30 de abril e precisou dormir na estação para tentar ir até a cidade no dia seguinte, o que não aconteceu pelos estragos nas estradas que vão até a cidade, especialmente, na ERS-122.
“Dormi na rodoviária por dois dias, tinha um monte de gente na mesma situação. A gente viu que não ia normalizar tão cedo e fomos para um hotel, mas quando foi no sábado pela manhã, o hotel alagou e eu vim para cá. Vi depois que a água chegou no teto do primeiro andar, então a decisão de ter saído com a água na cintura foi melhor”, conta.

O músico e profissional de TI chegou ao abrigo apenas com a roupa do corpo e alguns livros. “Preferi ficar sem as roupas, mas não sem os livros”, destaca.
Foi nesse mesmo hotel que Bruno Silva de Oliveira, natural de Recife (PE), ficou, pelo mesmo período. O revendedor de carros usados veio para o Rio Grande do Sul entregar uma encomenda e não conseguiu voltar ainda para o Estado.

“A ideia é voltar assim que possível. Como trabalho com carros usados, já estou vendo com meu chefe de comprar alguns desses, que foram atingidos pela enchente, levar para Goiânia, onde fica a empresa, reformar e revender”, contou à reportagem, já pensando em fazer novos negócios aqui no Sul.
“Eu quero voltar, gostei muito do povo gaúcho, mesmo tendo ado por esse momento”, completa Bruno.
Amizade é fundamental para o ambiente de acolhimento do abrigo 3v6m2d
O parque esportivo, que abriga 252 pessoas, no bairro Moinhos de Vento, é liderado pelo gerente de esportes, Joel Prates Pedroso, em parceria com a prefeitura municipal, sob o comando do Secretário Municipal de Transparência e Controladoria, Carlos Fett.
Eles não se conheciam antes da tragédia climática, mas hoje são inseparáveis.

“Foi uma surpresa muito agradável, é um irmão que eu tenho aí pelo resto da vida”, conta o bombeiro militar da reserva.
Assim como a dupla, que lidera as operações, outro time se destaca para manter o clima familiar nas instalações da Rua Quintino Bocaiuva, 500.
Desde que chegaram ao local, João, Alexandre, Jeferson, Allan — que aguarda para voltar ao Rio Grande do Norte — e outros dois colegas, am as manhãs jogando carta e ouvindo rádio.

“A gente joga pife, canastra, até um bolão da quina já fizemos. A esperança né?! Se eu ganhar, já deixo um milhão aí no pavilhão, ajudar o pessoal”, diz o senhor João, de 78 anos.
De sexta para sábado, Jeferson dormiu na casa de uma familiar no bairro Sarandi. Ele foi visitar a filha, que fará quinze anos na quarta-feira (22).
“A festa estava toda comprada já, perdemos tudo em casa. Agora, acho que vamos fazer uma janta para ela”, conta.
O morador da Zona Norte de Porto Alegre espera conseguir voltar logo para casa, mesmo sem saber o que vai encontrar. “A gente só pensa em a casa estar de pé, primeiro de tudo”, disse.